quarta-feira, 15 de julho de 2009

Reiner Kunze: Apfel für m.r.-r.

REINER KUNZE
Appel for m.r.-r.


I find, it’s high time, that there is again

something new to read from you.(M.R.-R. letter dated 12th December 1978)

Please, let us hear from you and send me

manuscripts, because it’s now really hightime, that there is something of you
to read in our newspaper.(M.R.-R. letter dated 29th May 1980)

High time comes from inside

High time is, when the pit

sare nicely black

And that knows first and foremost

the tree.

**************

Apfel für m.r.-r.


Ich finde, es ist höchste Zeit, daß es wieder

etwas Neues von Ihnen zu lesen gibt.(M.R.-R. brief vom 12. dezember 1978)

Bitte, lassen Sie von sich hören und schicken Sie

mir Manuskripte, denn es ist ja nun höchste
Zeit, daß es in unserer Zeitung etwas von Ihnen
zu lesen gibt.(M.R.-R.. brief vom 29. mai 1980)


Höchste Zeit kommt von Innen

Höchste zeit ist, wenn die Kerne

schön schwarz sind

Und das weiß zuerst

der Baum.

Bar Rafaeli בר רפאלי‎

Férias grandes II

Naquele dia estavam incrivelmente simpáticos. Chamaram-me para participar na brincadeira. A minha avó estava na casa da Aurora, tínhamos vindo ali, porque segundo ela, a Aurora estava com olhos amarelos, ia morrer de icterícia e não sabia. A sua missão era convence-la a ir a Braga, ao médico com urgência.
A Aurora era um anjo, branca de olhos azuis, tinha um bebé pequenino e estava grávida. Era jovem, quase sempre com tecidos transparentes a fluir. O povo não gostava da Aurora, tinha casado com um homem divorciado, mais velho, alem disso, nunca trabalhou no campo por preguiça, inventava doenças para ficar em casa e não apanhar sol.
Interrompi-as para pedir autorização para acompanhar a rapaziada a uma brincadeira nos campos do Toutelo. Olhei para a Aurora que estava igual, de pé, com o menino no colo, sorria, e a minha avó deixou-me ir.

Estava em desvantagem, não sabia subir muros, muito menos árvores. Eles incentivaram-me, pareciam empenhados em fazer-me superar a tarefa de subir à cerejeira. Empurraram-me, içaram-me e lá consegui. Disseram-me para avançar num determinado ramo e colher as cerejas do ramo superior. Estava tolhido de medo, mas ainda não tinha vertigens. Avancei. Pediram mais. Caí e desmaiei.
Soube depois que aqueles lindos meninos e meninas inocentes dos campos cheios de flores pensaram que me tinham acabado com a raça. Com medo de represálias, porque matar um tripeiro naquele tempo era algo grave, fugiram.

Acordei nos braços da São. Loura de olhos claros e unhas vermelhas. Era empregada interna da Tia Laura, órfã de pai, servia desde os 11 anos patroas velhas e autoritárias. Vinha do bairro das minas e, por isso, nem a chave lhe confiavam. Desde que a extracção de volfrâmio tinha sido suspensa que os mineiros eram ladrões e ela não escapava à nomeada. A São tinha o quarto no sobrado, a casa de banho era na horta, os panos com que me limpou a cabeça estavam ensanguentados no penico.

Desde esse dia passei a visita-la, ensinou-me tudo sobre o amor. Como deixar as miúdas de rastos só com uma carta. Ela escrevia folhas e folhas para um trolha que estava a construir uma obra importante em Lisboa, só vinha ao fim de semana, a São raramente o podia ver, a patroa chamava-lhe puta, sempre que a via a namorar e já tinha sido despedida por causa disso. Pedia-me segredo de tudo aquilo que lia, gostava dela, parecia uma boneca a que eu tinha arrancado a cabeça para jogar futebol. O cabelo curto com caracóis e as pestanas pretas. Chamou a minha avó que quando me viu abriu os braços e gritou:
- Meu querido filho podias ter morrido. Que desgraça, meu Deus, então como é que te aconteceu isso, já não te disse para não andares a correr?! Vamos já para casa, o avô leva-te ao hospital.
E assim foi. Horas e horas, curvas e curvas, o cheiro a gasóleo e aos Gauloise, fizeram-me vomitar, o meu avô acelerou e quando chegamos disse ao médico que o menino estava com uma congestão cerebral. Os médicos trataram-me bem. Repararam na minha camisola dos Porfirios, disseram que eu parecia um canário, fiquei muito orgulhoso, disse-lhes logo que sabia cantar o “ Eu vi um sapo” e os “Passarinhos a bailar”.
Lá vim com grande penso no cerebelo a ouvir o meu avô dizer que devia ter pensado bem, que era um menino muito frágil, que não deveria ser tão inocente, deu-me caramelos e um gelado de gelo que vinha num saquinho estreito.

Para que todos conheçam: apresento a belíssima empresa de Arlindo do Rego

É só clicar. Este ser superior tem gosto! É um Meste no design de sanitários. Talvez até Doutor. Ou Professor Doutor, se estiver no quadro de alguma Universidade dedicada a esta arte.

Fins-de-semana em Trás-os-Montes nos anos 80

Nos anos oitenta, também no Verão íamos uns fins-de-semana alargados a Trás-os-Montes, àquela terra em forma de cascata que descia até às margens do Tua, Sobreira de seu nome. Sentava-me na enorme varanda da casa, virada a Sul, encostada às abóboras e com as cebolas, alhos e pimentos entrançados a adornar as paredes. Brincava com os cães de caça do meu avô e com as panelas pretas de três pernas da lareira da minha avó. Ela levava-me às hortas e contava-me histórias do antigamente. Sempre houve uma grande cumplicidade entre nós, embora nos encontrássemos poucas vezes ao longo da vida.
No rio Tua arriscava-me a tomar banho, embora com medo das cobras de água, mesmo ali junto ao açude, com vista para as vinhas de uvas moscatel de um lado e do outro do rio. De onde a onde, passava a automotora na outra margem a apitar. Depois do banho, cem metros acima da água, na vinha do Canal comia um cacho reluzente de uvas doces aromatizadas com bagos que mais pareciam cerejas. Tinha quase sempre a companhia da minha avó e da minha mãe. Ocasionalmente, juntavam-se as primas e primos que tinham ficado em partilhas com a casa grande. A tal que tinha uma argola onde, em tempos idos, os fugitivos se podiam agarrar, garantindo-lhes imunidade, até o dono da casa se pronunciar.
Era tudo gente mais velha do que eu, mas eu sorvia cada momento. E estavamos verdadeiramente em família. A alegria era uma constante. Pelo menos, para mim. Apenas a tristeza oculta nos olhos da minha avó se adivinhava. Um filho morto nunca se esquece.
O meu pai ia à caça com o meu avô. Tenho a imagem deles a subir a escadaria da casa com a espingarda no ombro e os cães atrás. Alguns coelhos e perdizes pendurados nos coletes.
Com o meu avô aprendi a andar a cavalo. Nunca tive o jeito para a equitação da minha mãe. Mas lá arriscava. E o meu avô levava-me no cavalo dele em passo lento, para eu não ter medo, depois arriscava o galope por vales e serras, enquanto me dizia: - não tenhas medo que não cais. Confia em mim. Confiar era a única hipótese...
À noite, havia bogas do rio, pescadas ilegalmente com explosivos pelo Manel, o criado. -Ó Manel, isso é crime, dizia-lhe o meu pai. Ele sorria: - só se não repartir com a autoridade Xô Tor.
Ir à Capela era um acto solene e tinha qualquer coisa de sobrenatural. A minha avó tirava a chave de um recanto numa parede de xisto, passávamos a sepultura dos antepassados no adro da Capela e ela metia a chave na fechadura da porta. Tudo rangia quando a Capela silenciosa e fresca na semi-obscuridade se abria. Nunca me deixavam entrar logo. Tinham que sair os espíritos primeiro, dizia-me a minha mãe. Depois entrava e rezava, mas rezava com aquele temor reverencial de quem confia ao mesmo tempo que o medo se entranha, afinal, ali havia espíritos.... A Capela da Sobreira era linda. No altar da direita tinha uma Santa com a cara igual à da minha avó. Até hoje, para mim, é Santa Joaquina. Provavelmente ainda lá está. O adro da Capela era um espaço de libertação do constrangimento sentido lá dentro. Corria, corria...as sepulturas não me metiam medo, a paisagem era infindável, desde o início da cascata da aldeia lá no alto, até ao Tua ao fundo, mais as aldeias vizinhas, Porrais, Abreiro, Milhais, Codeçais, ficava arrebatada depois da correria. Permanecia ali muito tempo a respirar fundo.
Outro momento marcante era a visita à casa da prima Mariana, que nunca saia de casa, nem abria as janelas. Era branca já de si, mas o pó de arroz com que se maquilhava tornava-a mais sepulcral. Oferecia-nos um chá. Tocava um pouco de piano. Conversas triviais. Nunca me explicaram porque nunca saia de casa. Hoje adivinho que sofria de distúrbio de pânico. Mas nessa altura a prima era assim porque era assim. O marido, por contraste, era um homem robusto, crestado pelo sol e pelo frio, amante de uma mulher do povo igualmente crestada pela natureza, que vivia umas casas abaixo e que com ele traia o marido.
Todos os caminhos eram de pó, essa era outra das grandes atracções, levantar a poeirada à passagem. Os meus avós tinham terras espalhadas por tudo o que era sítio. Quando o centeio estava verde, metia-me no meio do dos campos e cortava as canas. Depois fazia música com elas, dependendo do tamanho a da largura, mudava a melodia...
Divertia-me à grande, sempre sozinha ou com adultos, a minha imaginação não me deixava espaço para a solidão.
À noite, sentava-me na enorme varanda virada a sul, de novo encostada às abóboras e sentia as noites de Verão em todo o seu esplendor. As aldeias vizinhas de Porrais, Abreiro, Milhais e Codeçais, transformavam-se em pequenos aglomerados de luz. De onde a onde, uma estrela cadente... A paz era total. Não precisava de mais nada para sentir a perfeição.
Provavelmente só voltarei à aldeia no dia em que a minha mãe morrer, ou depois da minha morte. Já em pó. Quero que me atirem pelo monte que desce do adro da Capela da Sobreira. Será o reencontro com os anos oitenta e com todos eles, que tanto amo na memória dos tempos idos.

Férias grandes

Eram os anos 80. Como sempre, tinha sido recambiado para Trás-os-Montes para umas alegres férias, entre carquejas, urzes e vacas. Ela era uma menina bonita de cabelo claro, tinha-se mudado para a aldeia há pouco tempo. Os dois, longe do centro e dos cafés, brincávamos junto à Poça do Pai-Telles com o Nelson, um rapaz que construía comboios de latas de sardinhas.
Chegaram esses três, já obesos à data, e mandaram um bruto de um pontapé no nosso caminho de ferro que ligava a Patolândia a Marte, conforme tinha feito o professor Pardal a mando do Patinhas. Ela foi a única a insurgir-se. Eles, em coro, chamaram-lhe preta! E macaca e outras coisas assim que me impressionaram.
Foram embora porque nós não sabíamos lutar, por mais pontapés que dessem no nosso comboio espacial, nós ficávamos imóveis e admirados.
Seguiram pelo caminho do Souto, cheios de fitas penduradas nas bicicletas, que faziam lembrar Harleys. Perguntei-lhe porque lhe chamaram preta e macaca. E foi quando ela me disse que a sua mãe era preta, tinham vindo de férias de África para Valpaços e ficado por cá. Passei-me, a mãe era preta, então como era possível ela ser branca? Já tinha visto alguns pretos, poucos, mas alguns, e ela era exactamente da minha cor e meia loura. Vim com quatro anos - disse ela.
Hoje, a mãe dela também é branca, a irmã também, o irmão nem nunca o conheci preto. Vou com ela à praia na esperança de que fique preta, pois ela alega que não é preta por causa do sol e do clima e de o pai ser branco. Hoje, já conheço pessoas que vieram para o Porto côr de chocolate e agora são brancos. E é uma coisa que me intriga.
Mas naquele tempo em que não havia pretos no Porto, nem imagem deles em Trás-os-Montes, que era difícil ser de côr, ainda que de côr branca, passei-me, que distúrbio na minha cabeça.
O Nelson, esse grande engenheiro, de poucas falas, encontrámo-lo noutros dias, no Cruzeiro, a Poça era um local perigoso.
Ainda descobrimos uns desenhos dos homens das cavernas nesse verão e procuramos o tesouro, sempre e tal e qual os livros do Patinhas, que eu levava do Porto e eram um grande sucesso, ainda que nos sujeitassem a grandes tensões, com os rapazes da aldeia. Maricas - gritavam eles - e o Nelson ressentia-se. Esfarraparam-me dois ou três. Pediam e depois rasgavam, chamavam-me tripeiro, como se fosse um grande insulto, devem te-lo estudado com os pais. Um dia bateram-me, quer dizer convidaram-me para jogar ao "na minha terra não há cebolas", que era um jogo de fazer voar as pessoas pela valeta. Ainda me levantei duas ou três vezes. Mas levava sempre.

Bar Rafaeli: a nudez como arte