sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Uma brejeirice à Sexta-feira à noite: o que decidiria Arlindo do Rego?

Beja, 5 de Fevereiro 2009.

Eu, Maria José Pau, gostaria de saber da possibilidade de se abolir o sobrenome Pau do meu nome, já que a presença do Pau me tem deixado embaraçada em várias situações.
Desde já agradeço a atenção despendida.
Peço deferimento,
Maria José Pau.

Em resposta, recebeu a seguinte mensagem:
Cara Senhora Pau:

Sobre a sua solicitação da remoção do Pau, gostaríamos de lhe dizer que a nova legislação permite a remoção do Pau, mas o processo é complicado e moroso.
Se o Pau tiver sido adquirido após o casamento, a remoção é mais fácil, pois, afinal de contas, ninguém é obrigado a usar o Pau do cônjuge se não quiser. Se o Pau for do seu pai, torna-se mais difícil, pois o Pau a que nos referimos é de família e tem sido utilizado há várias gerações.
Se a senhora tiver irmãos ou irmãs, a remoção do Pau torná-la-ia diferente do resto da família.
Cortar o Pau do seu pai pode ser algo muito desagradável para ele. Outro senão está no facto do seu nome conter apenas nomes próprios, e poderá ficar esquisito, caso não haja nada para colocar no lugar do Pau. Isto sem mencionar que as pessoas estranharão muito ao saber que a senhora não possui mais o Pau do seu marido.
Uma opção viável seria a troca da ordem dos nomes. Se a senhora colocar o Pau na frente da Maria e atrás do José, o Pau pode ser escondido, pois poderia assinar o seu nome como 'Maria P. José'.
A nossa opinião é a de que o preconceito contra este nome já acabou há muito tempo e visto que a senhora já usou o Pau do seu marido por tanto tempo, não custa nada usá-lo um pouco mais.
Eu mesmo possuo Pau, sempre o usei e muito poucas vezes o Pau me causou embaraços.
Atenciosamente,
Bernardo Romeu Pau Grosso
Registo Civil de Beja

Antes de Lucy, Ardi; Before Lucy, Ardi


A história da humanidade voltou a recuar no tempo agora que os cientistas concluíram o estudo de Ardi, um hominídeo que viveu há 4.4 milhões de anos numa região que actualmente faz parte da Etiópia.
Com 1,20m e 50 quilos, esta fêmea vagueou pela floresta milhões de anos antes da famosa Lucy, nome de baptismo do esqueleto de um outro hominídeo descoberto em 1974, tido até agora como o mais remoto antepassado do Homem.Nova luz sobre a evolução
O estudo de Ardi lançou uma nova luz sobre a evolução do Homem, disse o antropólogo C. Owen Lovejoy da Universidade de Kent, EUA.
Ao contrário do que se pensava até agora o antepassado mais remoto do homem não será um grande símio semelhante a um chimpanzé. Com efeito, os cientistas garantem agora que o Homem e o chimpanzé terão seguido caminhos paralelos a partir de um antepassado comum.
"Ardi não é esse antepassado comum, mas nunca tínhamos chegado tão perto", afirmou Tim White, director do Centro de Investigação da Evolução Humana da Universidade da Califórnia em Berkeley, EUA.
White acredita que essa criatura a partir da qual Homem e macaco evoluíram, terá vivido há cerca de seis ou sete milhões de anos.
Mas Ardi tem muitos traços que actualmente não se encontram nos actuais macacos africanos, o que permite concluir que estes terão evoluído consideravelmente desde de que partilharam com o Homem o tal antepassado comum.Das árvores para o solo
O estudo de Ardi, que começou em 1994, ano em que foram descobertos os primeiros ossos, permitiu concluir que viveria na floresta e que poderia subir às árvores usando os membros superiores e inferiores, mas o desenvolvimento dos seus braços e pernas revelou que passariam pouco tempo empoleirados. No solo, eram capazes de caminhar sobre os membros inferiores.
Sob a designação científica Ardipithecus ramidus, que significa "símio do chão", foi esta descoberta cientificamente documentada em 11 artigos ontem publicados na revista "Science".
Para David Pilbeam curador do Museu de Arqueologia e Etnologia de Harvard, "esta é uma das descobertas mais importantes no estudo da evolução da Humanidade".

Bases do discurso político II

Percebeste?
Se não percebeste,
faz que percebeste
para que eu perceba
que tu percebeste.
Percebeste?

Saphou à Sexta-feira


Conto de sexta-feira : " Elos quixotianos"

Ao sábado levantava-se tarde. Vestia umas ceroulas de algodão e uma camisola de rede, peças primorosamente engomadas e guardadas no gavetão do fundo, exclusivo da sua roupa interior. Fazia a barba com uma lâmina e um pincel barrado em sabão rosa, objectos que guardava harmoniosamente numa caixa forrada a pele de gato.
Por volta do meio-dia principiava os preparativos para o grandioso almoço a dois. Sabia fazer pratos típicos dos melhores países da Europa e todos incluíam bifes, ovos e batatas fritas. Para o francês cortava as batatas em rodelas e fritava uma a uma, para o Espanhol passava o bife duas vezes no óleo, para o Português enchia o prato por camadas. Sentava o neto no banco de pau, atavam um guardanapo branco ao pescoço e, como se fosse um banquete, comiam por horas a fio, pelo menos o número de horas suficientes para esgotar a garrafa. Para entreter o neto contava historias, histórias da família, histórias de Salazar e, sobretudo, histórias do Porto.

Na sua mente quixotada, até o Mesinha de Cabeceira, que media metro e meio e tinha voltado do Ultramar manco, era um herói tripeiro de gema, que tinha derrotado com uma vara três Mouros que em São Bento o defrontaram para lhe roubar 100 escudos.

- No Porto casou a rainha Filipa de Lencastre, para dar vida à “ínclita” geração, o nosso grande Infante D. Henrique, que organizou com a gente do Norte a expedição para a conquista de Ceuta.
– E conquistaram Ceuta?
- Conquistaram, meu filho, o Porto deu a carne e ficou com as tripas para que isso fosse possível.
- E depois?
- E depois o que?
- Depois o Porto ficou rico, não?
- Rico?
- O que é que o Infante trouxe de Ceuta para o Porto? Castelos, jóias…
- Meu filho, o Porto não é de castelos, é de muralhas, da liberdade. D. Pedro deu-nos o coração…

O neto já sabia a história de cor e salteado, gostava era que o avô inventasse finais perfeitos, o que ele fazia com entusiasmo, não se impedindo dos maiores dislates que faziam das gentes do Porto libertários, poetas, heróis até no jogo da lerpa quando defrontados com Mouros.
Ao fim da tarde passeavam e todas as ruas tinham algo de surreal, desde os crimes sempre em nome da justiça e da liberdade, até actos de pura misericórdia que o Porto fazia pelo país. Quando as histórias eram porcas e envolviam penicos despejados pelas janelas, eram piadolas à Porto, mas sem sotaque, porque o sotaque do Porto não existia senão nos bacalhoeiros e outros pregadores. Os amigos, que iam encontrando pelo caminho, eram todos protagonistas de casos tristes, grandiosos ou mirabolantes, certo é que no Porto todos se conheciam, todos tinham um passado. Do futuro do Porto o avô não falava.

Ajeitava a sua boina à taxista, por causa do frio na careca, comprava ao neto livros do Patinhas e bolas de Berlim. No Águia de Ouro, no Progresso, no Brasileira paravam em todos e em todos ele conversava, não gostava de futebol, só politica, levava o neto para comícios e muitas vezes o sentou na mesa de futuros lideres, a comer como um homem do Porto, tens que acreditar - dizia.

Os outros membros da família criticavam a situação, o avô iria traumatizar o neto, com tanta história de batalhas e crucifixos, mentiras e balelas, politiquices, fé dos falsos diziam, enquanto ele piscava o olho ao educando, o seu suposto anjo da redenção. Acusavam-no de ter uma mulher em cada esquina. Pelo que o neto via, tratava-as bem, mas gostava de conversar com homens e mulheres que fumam em cafés eram perigosas e nada havia de mais pervertido e drástico para a sociedade do que sexo, esse amor fácil da geração dos teus pais, uns trastes, meu filho, sem ideias.


Antes de morrer, já mais manco que o Mesinha, meteu o neto no Mercedes, conduziu pelos passeios com a muleta presa ao acelerador, para não congestionar o trânsito, foram a Viana visitar um velho amigo, com quem conversou largas horas.

No regresso passou no IPO para preencher uma papelada, era respeitado por todos, pareciam conhece-lo de há muito tempo, tinha um cartão de acesso e tudo. O neto não suspeitava o que seria aquela visita, era normal o avô visitar hospitais, era hipocondríaco, diziam lá em casa.

Na semana seguinte, foi internado. O neto foi vê-lo, o homem das histórias continuava a sorrir, entubado, parecia um globo de tão inchado. Chamou o neto e sussurrou-lhe ao ouvido qualquer coisa que o neto não percebeu, enquanto à avó chorava, fez-lhe como habitual uma cruz da testa ao peito em gesto de carícia, não disse como de costume - Deus te abençoe sempre, meu filho.
Morreu na manhã seguinte e na noite do funeral, tal como toda a vida tinha garantido, a terra tremeu. A família gritou e pediu para que os deixasse em paz ao menos na morte. O neto riu e piscou o olho às cortinas que esvoaçavam.

No último sonho, passados dois anos, o avô levou-o pela ribeira num passeio frenético, uma Ribeira suja, pobre e escura, e mandou-o comprar chiclas. Foi a última vez que o neto o viu, assim de forma inteira e composta.

O sorriso e a mão a segurar a pala da boina, naquele ar de casanova o – Até sempre – dito com alegria, está sempre no canto do tecto de qualquer casa do Porto, com tectos de estuque e roda –pés de madeira, que até as casas do pobres têm, meu filho, porque nas casas do Porto há vidas heróicas à deriva e o Porto, o Porto, nunca se acaba, nunca se descobre o quanto vai longe a liberdade dos homens.