Tolhida pelo medo da incerteza da doença e pelas ameaças concretizadas que tinha sofrido, quando tinha 38º de febre, sobretudo aquela bofetada que a fez rolar pela cama e cair estatelada, vendo estrelas no percurso, tudo tão rápido que nem sabia o que lhe acontecera, encerrou-se ainda mais no quarto à espera. À espera que fosse tudo um pesadelo de que ia acordar. Mas não. Era a realidade. Viu-a no espelho, sente-a na cara dorida e roxa, até hoje. A febre do fim da tarde também continua a visitá-la e a deixá-la em desespero. Não sabe o que tem, nem eles sabem. Que tem que ter paciência, ficar à espera.
Enquanto esperava, naquele dia em que o seu pequeno mundo desabou, em pleno desespero de taquicardia e tensão alta, à espera do inevitável AVC ou enfarte, rodou a chave, tomou vários comprimidos e pediu ao pai morto que lhe segurasse a mão, tal como ele lhe pedira enquanto vivo um dia antes de morrer.
-Fica comigo meu pai, não tenho quem me proteja, sussurrou-lhe, enquanto estendia a mão e chorava devagar no escuro. Tinha fome mas não ousava sair do quarto. Tinha sede, mas tentou esquecê-la.
No sono pesado da febre e dos calmantes, apareceu a avó Joaquina. Ficou tão confortável. Convidou-a para irem pescar no rio Tua e lá foram as duas.
A avó ria-se do medo dela ao colocar os pés descalços dentro de água. Ela tinha medo das cobras e dos sapos e de tudo aquilo por baixo dos seixos.
Pescaram peixes de todo o tipo, bogas, tainhas, enguias...mas a avó procurava um peixe especial, um peixe mágico. Disse-lhe para fazer pouco barulho, caso contrário ele fugia.
Com uma rede de apanhar borboletas a avó viu-o e zás, meteu-o dentro da rede.
Mas na rede,em vez de um peixe colorido vistoso, estava uma frase em latim que ela não entendia, qualquer coisa do tipo Litterarum radices amarae, fructus dulces.
-Ó avó, isto são letras, como é que é um peixe? A avó não chegou a responder.
Ela acordou, às seis da manhã, toda suada, de novo apavorada, com uma taquicardia assustadora, e calou o medo e esteve assim até todos eles irem embora. Não queria ser mais maltratada e não queria maltratar com o impulso da raiva.
A espera continua...
Melhor do que ela está o Oliveira e Costa, ao menos em prisão domiciliária, numa casa de luxo, pode circular por todo lado, jardim de inverno incluído, e não tem febre, nem risco de apanhar gripe A, fora o dinheiro a salvo em offshores e na Suíça.
Já para não falar do bem falante digno representante da classe, frequentador da high society londrina, em tempos presidente desse nobre clube que ontem mostrou vergonhosamente não ser "invencivéle", em jorgês.