sábado, 12 de dezembro de 2009

O autocarro

Estava de noite e ela com aquele frio a tolher-lhe a alma e os sentidos, decidiu sair. Não podia permanecer na casa silenciosa, fria, que se ria à gargalhada dos seus medos, com ecos de outros tempos a recordarem-lhe feridas que iam abrindo.
-Vou arejar, ver montras, perder-me na multidão. Há muita gente que está só e doente. Não sou mais nem menos do que os outros. Enfrenta a vida como ela vier, dizia-lhe a sua razão.
Ia a entrar no carro quando foi atraída por uns faróis que se aproximavam lentamente e a deixaram fascinada, parada a olhar. Pareciam enfeites de Natal que cada vez se aproximavam mais. Era lindo o contraste do escuro da rua com aquelas luzes que a chamavam.
Ficou petrificada, as luzes mesmo à sua frente. Em décimos de segundo levou com os máximos e ouviu o condutor do autocarro, que se desviava:
-Então não me viu? Para a próxima pode não ter tanta sorte. Palerma!

Chico Buarque: Menino Jesus