Nunca lhe fizeram uma festa surpresa, apesar de já ser velha. Nunca a convidaram para madrinha de uma criança, nem a sua melhor amiga! Nunca foi a uma festa de carnaval. Nunca viajou para destinos exóticos.
Os outros, nas férias e nas "pontes", vão para a neve, vão para a quinta, vão para a aldeia, têm sempre um sítio paradisíaco para onde ir.
Ela permanece na sua pequena casinha assombrada pela sua vida e os seus fantasmas. Já não se lembra de ter férias fora dessa casa. Da aldeia longínqua onde nasceu já nada lhe resta, a não ser o túmulo, no adro da igreja. Tem uma vista magnífica, com os montes em volta e o rio Tua ao fundo. Mas agora até lhe dizem que não vai poder ser enterrada junto com os seus, porque já não permitem enterros fora do cemitério.
Nunca obteve nada por que não tivesse que lutar muito, desgastando-se a estudar e a trabalhar para se sustentar e sustentar os outros. Esteve sempre disponível para os outros, não sabe bem porquê, talvez por achar que esse era o seu dever. Sempre cumpriu os seus deveres.
O companheiro de sempre, com quem discutia quase diariamente, morreu. Os filhos foram para longe. Com sorte, recebe um telefonema uma ou duas vezes por mês. Nunca os visitou, porque o oceano é imenso e nunca ultrapassou o medo de andar de avião.
Hoje está um trapo doente, já nem tem coragem de conviver com ninguém. O mais difícil, aliás, é conviver com ela própria e o seu sofrimento permanente. Não gosta daquilo em que se tornou. Amarga, com um espírito incrivelmente velho quando comparado com a idade física. Ora chora, ora se enche de raiva. A solidão é a sua companhia diária. A tristeza ainda é maior em dias de sol e festa, quando o mundo se diverte. A sua incapacidade fica mais a nú.
Já não sonha, mas teme. Está incrivelmente doente, não sabe bem de quê. Sente-se doente. Droga-se para adormecer e esquecer.Quando acorda, a realidade ainda é mais cruel.
No entanto, continua a cumprir os seus deveres. Quando os filhos telefonam, coloca a máscara e inventa que está tudo bem.