- Não sei se volto. Não sei se resisto. Pensa.
As horas passam. A noite aproxima-se e com ela a angústia e o medo da morte. O medo da morte impede-a de viver. Todos lhe dizem que tem filhos para criar, que a sua tristeza permanente vai dar cabo deles, que o marido não tem que a aturar. Que outros passam pela doença e aguentam. Ela sabe disso tudo. Mas o medo é mais forte. Entrou em descontrolo. Sai de casa ao anoitecer. Diz que volta já. Mas vai ter com o pai.
Vê um carro preto a aproximar-se, talvez com uma família que se prepara para a Consoada. O carro atrai-a. Coloca-se mesmo em frente, já não pensa em mais nada. Liberta-se.
Na rua pacata começa um frenesim de sirenes e gente a amontoar-se. Mas ela já não está lá.
Está a ver tudo, fora do seu corpo ainda a cheirar aos fritos de Natal que passou a tarde a cozinhar. Não encontrou o pai e não suporta ver o sofrimento dos filhos ao olhar para o seu corpo frio. A angústia tornou-se eterna.