quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Das modernices

Televisão. Já não chega a televisão permitir o acesso a mais de cem canais em alta definição, quando vemos sempre os dois ou três canais do costume e quase nunca têm nada de jeito (muitas vezes o que interessa nem está disponível em HD); já não chega a velha televisão ter sido subsitituida pelo Plasma e o Plasma pelo LCD; tinham que colocar comando à distância no aparelhometro. Uma trabalheira. Nunca sabemos onde está o comando.
O objecto de culto anteontem à noite deu-me àgua pela barba (tenho barba, e daí?). Os adolescentes queriam ver Foxlife. Gerou-se grande irritação quando deram pela falta do comando. Primeiro, pensamos que era o habitual mas, ao fim de quinze minutos, começamos a desconfiar. Corremos a casa atrás dele. Eu e os miúdos, ao fim de uma hora de buscas, desistimos. A empregada, que ainda cá estava e que descobre tudo, disse que tinha procurado o comando o dia todo e que não valia a pena o esforço, tinha desaparecido. Nem com uma corda atada a uma perna de uma cadeira ou com preces a algum milagreiro apareceria. Ainda tentaram um telefonema ao pai, mas ele não atendeu. Estava numa reunião até às tantas.
Foi uma noite diferente. Sem a televisão a chatear. Depois da tempestade, conformaram-se e até leram partes de um livro, naturalmente, nos intervalos da internet.
Cerca da uma da manhã, chegou o man. Conversa para aqui, conversa para ali, pergunto:
-Viste o comando da televisão?
Resposta:
-Levei-o para o escritório. Ontem deve ter caído na pasta. Assim, com a maior naturalidade.
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Automóvel. Apita por tudo e por nada. Falta o cinto, apita. Esqueço-me de o destravar, apita. Uma árvore a um metro, o fdp não me deixa estacionar tranquilamente, começa a apitar cada vez mais desesperado. Estaciono e ainda faltam 10 cm para encostar à árvore. Passa um tipo à frente, apita.
Porque é que o maricas não apitou na semana passada quando fiz marcha atrás e o espatifei contra o carro que estava estacionado? Pelos vistos, tem que haver uma conjuntura perfeita que permita aos sensores detectarem tudo o que não interessa.
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Telefone fixo. Porque é que o telefone fixo pode circular pela casa toda? Desaparecido há horas, hoje acordou-me às sete da manhã ao tocar por baixo de um cobertor. Sacana!
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Motores de avião a jacto. Não resistem a meia dúzia de aves ou a uma ave de grande porte.
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P.S.: não falo de telemóveis porque esse é o departamento do mestre, embora, seguindo os seus ensinamentos, eu tenha espatifado o meu contra a mesa da sala de jantar este fim-de-semana.

Desencontros: diário de uma adolescente retardada

Cruzavamo-nos nos corredores da escola duas vezes por semana: à terça e à quinta-feira, sempre à mesma hora.
Ele, recém chegado de Leiria, vinha buscar a Matilde, que tinha actividadas pós-escolares ao mesmo tempo que a minha filha. Eu nem sabia quem era, mas atraiu-me de imediato o charme, na forma de andar, nos traços finos do rosto, naquele sobretudo cinzento. Note-se que nem sequer pecava em pensamento, pois ele não era "a mulher do próximo" e defendo a interpretação literal dos Mandamentos.
Um dia, vi o mesmo rosto na televisão e fiquei colada ao ecrã. Ali estava ele, à frente do FCP. O patrão já me tinha dado um autógrafo, com um ar jocoso, uns tempos antes, na cerimónia de fim de curso da filha. Autografou-me o livro de "Direito das Obrigações", de Antunes Varela, Vol I, na falta de outro papel.
Naquela terça-feira ganhei coragem, quando nos cruzamos. Pedi-lhe, com a inocência mais sonsa do mundo:
- não se importa de autografar o livro dos trabalhos de casa da minha filha?
Ele, com aquele semi-sorriso lindo de morrer e chorar por mais, perguntou o nome dela e fez-lhe uma pequena dedicatória. Olhou-me pela primeira vez e devolveu-me o caderninho vermelho.
Nunca tinha ganho nenhum título, nem era o "Special One", era apenas um homem muito atraente.
Depois de Pinto da Costa, fui a primeira a reconhecer o valor de José Mourinho!
Já famoso pelas vitórias do Porto, deu-me outros autógrafos em eventos da escola, assinou a camisola do meu filho e dos amigos, bolas de ténis, tudo o que estava à mão. Todos os miúdos, sem coragem, me pediam para interceder por eles. Ele anuia simpaticamente, com aquele semi-sorriso.
Sempre guardo na lembrança, no entanto, a época em que eramos anónimos que iam buscar as respectivas filhas à escola duas vezes por semana. A minha atracção, nada platónica, data dessa época longínqua.
P.S.: Permitam que me gabe. Nem a Odette-de-Saint-Maurice teria escrito um texto tão piroso.