sábado, 7 de agosto de 2010

À porrada, à facada



David Mellon, tirado AQUI

ou de outra maneira qualquer é como alguns nos matam.
A maior parte dá-nos sovas de criar bicho, a mim também, estou farta de apanhar.
À primeira não saí de casa por vergonha, como haveria eu de dizer que ele me tinha batido, como haveria de explicar que tinha sido uma simples discussão que dera para o torto, como haveria de explicar que não tinha sido minha a culpa se nem eu mesma tinha a certeza. Depois ele pediu-me de joelhos perdão. Valha-me deus, de joelhos e a chorar, como não o haveria de desculpar e pensei que não aconteceria mais, ele tão sincero.
Apanhei muitas, toda negra tantas vezes e não saí, já não sei porque nunca saí, sempre a dizer à minha patroa que o miúdo estava doente.
Um dia quando cheguei a casa dela, ouvia-a a gemer. Bati-lhe à porta do quarto e a infeliz também toda negra. Valha-me o senhor, se ela apanhava, filha de condessa, o marido filho e neto de doutores, como não apanharia eu.
- A Senhora está bem? Quer que chame a sua mãezinha?
- Não, mal podendo falar, tropecei nos degraus…
Não sei o que me deu mas comecei a rir e tanto ri que chorei e disse-lhe que esses degraus também eu conhecia de cor e salteado, mas mesmo assim passava a vida a tropeçar neles. Disse-lhe tanta coisa, que tinha dinheiro, que se fosse, que ele não a merecia eu sei lá, e ali ficámos as duas chorando abraçadas.
Na vez seguinte que lhe disse que o meu filho estava doente e eu cansada, ela apareceu-me lá em casa. Foi a vez de ela falar, que eu me fosse, que me guardava o lugar, que o denunciasse e eu ri, ri tanto que chorei, ela abraçada a mim chorando também, que na sociedade dela ninguém denunciava, parecia mal, que era uma vergonha, que todos criticavam, que comiam e calavam, eu explicando-lhe que na minha sociedade, também, poucas denunciavam, que todos nos criticavam por denunciar ou por não denunciar, por largar ou por ficar, mas que a culpa, a culpa é sempre nossa.
Hoje saio, porque me bateu por o mais pequenito estar a chorar. Hoje saio, mas trago a culpa que a sociedade dela e minha nos põem nas costas. Hoje saio sem nada a não ser choro e lembranças eternas. Hoje saio sem sonhos nem esperança, mas com raiva nas mãos e no coração. Hoje saio só com a roupa que tenho no corpo e os miúdos. Hoje saio sem saber para onde vou ou o que vai ser de nós.
Hoje saio, mas ele fica em casa, com tudo.
Hoje saio, valha-me deus, hoje saio