Há duas manias que muito me irritam no português típico, seja homem, mulher, ou nem por isso: a) lavar o carro ao fim-de-semana; b) preferir uma lavagem manual porque a máquina risca.
Ao fim-de-semana, o português adora uma boa fila na garagem à espera da sua vez para entrar na máquina, enquanto vai lendo jornais, revistas e ouvindo a bola ou o Tony Carreira, ou o Pavarotti e os resultados do rugby, consoante o gosto. Classe A, B, ou C, indistintamente partilham o prazer da fila.
Por outro lado, aos que não se contentam com a máquina e exigem a lavagem manual (que também costumam dobrar o pijaminha) ninguém explica que o carro é para riscar e gozar, já que ao fim de 4 anos não vale nada. E se não for riscado pela máquina, haverá mil e uma maneiras de aparecer riscado, a começar por aquele risco tímido do vizinho que o detesta, até ao sulco profundo do aluno que chumbou, ou do cliente a quem deixou ficar mal. Já para não falar dos riscos de puro prazer, sobretudo de quem anda de autocarro. E isto poderia ir mais longe: as amolgadelas quase diárias dos azelhas de chapéu são imprescindíveis num carro que se preze.
O carro não se quer asséptico, quer-se de acordo com a personalidade do seu proprietário ou detentor. No meu antigo carrão havia livros e papeis por todo o lado. Só recentemente descobri que aquele cheirinho a mofo se devia à papelada. Com sorte, no carro antigo podia até fazer uma cultura de bichinhos de prata.
Normalizei-me, porque muito me chatearam, e passei a ter e a lavar (de vez em quando) um novo carro maricas, que apita para todo o lado. O que é que ganhei com isso? Um carro sem personalidade, onde pode entrar qualquer pessoa civilizada sem que eu me tenha que desculpar pelo desalinho e a sujidade. Mas eu estou-me nas tintas para as pessoas civilizadas. Ando infeliz com tanta limpeza. Vou começar a encher este de livros, para voltar a ter a minha biblioteca ambulante. O cheiro a mofo por certo voltará. Os riscos já estão a fazer-se notar, um aqui, outro ali. Não tardam as amolgadelas.
Por outro lado, porque o tipo apita por tudo e por nada, acabou o prazer de bater no carro de trás e da frente ao estacionar, ou ir em cheio contra uma árvore só pelo gosto de abraçar a natureza.
Para cúmulo, os assentos aquecem a parte superior posterior das coxas, a que os parolos chamam cú, e as costas. No outro dia achei que estava a ser atacada pelos calores do climatério, as costas a suar, um calor a subir pelo Múládhára Chakra ... e não era o despertar da Kundalini, porque ando muito alheada do yôga e já nem sou vegetariana. Abri as janelas, mas nada me aliviava. Sofri como uma desgraçada. Até que descobri que a sacana da carteira, com excesso de carga, estava pousada em cima do botão do aquecimento do assento do condutor. Lá fora estavam 29º graus.
PQP as modernices.