Os cem anos da república (que se comemoram a 5 de Outubro) são também os cem anos do fim da monarquia. Não admira que meia dúzia de nostálgicos tenham resolvido homenagear o último rei, D. Manuel II, com um documentário, que se chama, por estranho que pareça, D. Manuel, o Traído. Infelizmente, excepto pela intervenção de Rui Ramos (como sempre relevante e sóbria), a coisa não faz qualquer espécie de sentido. Começa logo por insinuar que o homem, infectado por uma actriz francesa, tinha sífilis (como em 1950 o príncipe Félix Youssoupof, o assassino de Rasputine, veladamente dissera que ele era gay e frequentava os círculos gay da aristocracia inglesa). Não se pode imaginar uma recomendação tão malévola para o único sobrevivente de uma dinastia real, numa obra que se pretende de "homenagem".
Posto isto, que não se percebe, vem uma interpretação fantasiosa da queda da monarquia, que D. Manuel não podia de maneira nenhuma evitar. A monarquia caiu por duas razões. Primeiro, porque os partidos "rotativos", o Regenerador e o Progressista, que não podiam sobreviver numa sociedade urbana (no fundo, Lisboa, e um pouco o Porto), se começaram a dividir no reinado de D. Carlos. Segundo, porque proprietários do Estado, ambos permitiam, a seu benefício, um regime geral de corrupção, ardentemente odiado pela classe média. E, terceiro, porque os republicanos, também no reinado de D. Carlos, conseguiram mobilizar o "bom povo" para a violência. A "ditadura" de João Franco foi já um recurso do desespero. E o regicídio um resultado previsível.
O medo da "aristocracia" levou D. Manuel, e sobretudo a mãe, a uma política de transigência, com que julgavam defender o regime. Essa política implicou desde o princípio que não se investigasse o crime do Terreiro do Paço, em que estava envolvido um partido monárquico; e em pouco tempo tornou as forças conservadoras num conjunto de bandos, que se guerreavam e eram insusceptíveis de se unir ou de cooperar. O exército assistia a isto com rancor e parte dele conspirava (muito teoricamente) por uma ditadura militar. D. Manuel ainda tentou restaurar, da pior maneira, o "rotativismo", com os Regeneradores de Teixeira de Sousa, que se proclamavam "liberais". Mas, para mal dele, o "bom povo" e a lumpen "inteligência" que o conduzia não queriam "liberalismo", queriam arrasar a monarquia (e a Igreja) ao tiro e à bomba. D. Manuel não trouxe a revolução por incompetência ou fraqueza. Falhada a linha "dura" do pai, só lhe restava a moderação - ou seja, o compromisso com o terror. E, naturalmente, o terror ganhou.
Posto isto, que não se percebe, vem uma interpretação fantasiosa da queda da monarquia, que D. Manuel não podia de maneira nenhuma evitar. A monarquia caiu por duas razões. Primeiro, porque os partidos "rotativos", o Regenerador e o Progressista, que não podiam sobreviver numa sociedade urbana (no fundo, Lisboa, e um pouco o Porto), se começaram a dividir no reinado de D. Carlos. Segundo, porque proprietários do Estado, ambos permitiam, a seu benefício, um regime geral de corrupção, ardentemente odiado pela classe média. E, terceiro, porque os republicanos, também no reinado de D. Carlos, conseguiram mobilizar o "bom povo" para a violência. A "ditadura" de João Franco foi já um recurso do desespero. E o regicídio um resultado previsível.
O medo da "aristocracia" levou D. Manuel, e sobretudo a mãe, a uma política de transigência, com que julgavam defender o regime. Essa política implicou desde o princípio que não se investigasse o crime do Terreiro do Paço, em que estava envolvido um partido monárquico; e em pouco tempo tornou as forças conservadoras num conjunto de bandos, que se guerreavam e eram insusceptíveis de se unir ou de cooperar. O exército assistia a isto com rancor e parte dele conspirava (muito teoricamente) por uma ditadura militar. D. Manuel ainda tentou restaurar, da pior maneira, o "rotativismo", com os Regeneradores de Teixeira de Sousa, que se proclamavam "liberais". Mas, para mal dele, o "bom povo" e a lumpen "inteligência" que o conduzia não queriam "liberalismo", queriam arrasar a monarquia (e a Igreja) ao tiro e à bomba. D. Manuel não trouxe a revolução por incompetência ou fraqueza. Falhada a linha "dura" do pai, só lhe restava a moderação - ou seja, o compromisso com o terror. E, naturalmente, o terror ganhou.
In: Público 27.09.09 (sobre o Documentário exibido no Canal História)
Nota: a República faz hoje 99 anos, VPV refere-se a 2010.
3 comentários:
Hum, valia a pena ser mais explicito, a juventude le VPV mas nao sabe bem a historia, foi uma oportunidade perdida de desfazer confusões nos mais jovens.
Imagino VPV a discorrer sobre o poder de um ramo de flores, e a justificar assim tbm os cravos de Abril, os portugueses aprenderam e tal...
Os jovens que estudem.
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