Podia recomeçar, podia acreditar de novo em si, mas isso era o Drummond e não ele que dizia. Afunilava-se em poemas, em frases célebres que lhe garantiam que se resistisse sobreviveria. Não queria resistir para além daquilo que construíra. A obra ultrapassa o homem, o homem morre antes da obra. Se a obra morre antes do homem, não fez o homem obra digna de si.
Olhava-os na mesa de jantar, satisfeitos e entretidos com a vida, alheios ao que havia de vir, às dificuldades, aos anseios, que direito tinha de sujeitar as crianças a isso? Quando tivessem que abandonar o colégio, quando tivessem que o abandonar a ele e partir com a mãe, que vida teriam?
As bandeiras brancas em frente aos olhos, turvadas pela ventania, tinham-no feito embater naquele maldito carro parado, como se o movimento não fosse sequer necessário para o acidente.
E tinha ficado ali, a ver tudo passar à frente, como se fosse um visor, um cinema, aquele vidro partido, manchado. Tinha que se levantar, tinha que abrir a porta e fugir. Sentia o vibrar da explosão iminente, o calor intenso nos pés, um fumo escuro, o peito esmagado no volante, o aperto no coração.
Seria o amor daqueles tempos em que viajaram, beijaram, sentiram e depois arrumaram em noites perdidas na contabilidade, ela esperando, ele ganhando, e a vida dos dois com tormentos, arrelias, tudo porque teria querido ter uma empresa? O dia em que ela saiu de casa, chorosa e triste pelas palavras que o whisky proferiu.
Hoje era ele que saia, sem aviso, para aquele tribunal, onde todos o acusariam de não ter lutado, de não ter sustentado, de ter falido. Hoje era o dia em que ele pagava pela última vez portagem. O dia em que entregava os cartões e as máquinas, o dia em que seria insultado por aqueles a quem pagou penosamente, todos os dias que consigo passaram.
Os senhores das finanças de cara lavada e austera, os sindicalistas ferrados, orgulhosos de tão desdito propósito. Um teatro, onde e apesar de ser a personagem principal, não dispunha de uma única frase no diálogo da peça. Reunidos na mesa oval, davam eloquência à cena, miravam-no com desdém, a ele, o comerciante com capacidade, cujos actos eram tidos como comerciais, subjectivos, objectivos, não interessava, os seus desgostos eram realmente comerciais.
No banco de trás, na pasta dos documentos o aparelho tocava, uma e outra vez. Ouvia-o com paciência, não podia atender. Com custo talvez pudesse esticar o braço, voltar a fronte, mas certamente não valeria a pena. Um credor, o banco. Os amigos que tivera naquele banco, todos o tratavam bem, a quem não devia nada, porque já não lhe confiavam nada, porque nada já havia para sorver.
E se agora a mãe lhe ligasse, que lhe diria. O céu estava azul, as nuvens, mas faltava-lhe o ar para esboçar um sorriso à natureza. A natureza forte que faz dos homens das aldeias humildes e sérios, temerosos à revolta das árvores, da chuva e do inverno. Esses homens com quem não viveu por serem simples, por recearem apenas a força do rebentos e desprezarem a tecnologia. Esses homens esbatidos em roupas escuras, de poucas falas e de grandes filosofias inúteis.
Ele temia a cidade, a força do tempo e do dinheiro. E nem ali, com o sangue aquecer a fronte, podia pensar de outra maneira. O que tinha sido a vida afinal? O que fez? O que construiu? Não lhe doía nada, não sentia mais nada, senão todos esses pensamentos. Acaba aqui – pensava - É este o meu fim, onde poderei começar de novo?
Que poderei fazer? Quem me dará emprego, se já não sei nada, se tudo esqueci.
Tinha sede, muita sede. Naquela posição não via água, só o céu, azul, cada vez mais azul.
Olhava-os na mesa de jantar, satisfeitos e entretidos com a vida, alheios ao que havia de vir, às dificuldades, aos anseios, que direito tinha de sujeitar as crianças a isso? Quando tivessem que abandonar o colégio, quando tivessem que o abandonar a ele e partir com a mãe, que vida teriam?
As bandeiras brancas em frente aos olhos, turvadas pela ventania, tinham-no feito embater naquele maldito carro parado, como se o movimento não fosse sequer necessário para o acidente.
E tinha ficado ali, a ver tudo passar à frente, como se fosse um visor, um cinema, aquele vidro partido, manchado. Tinha que se levantar, tinha que abrir a porta e fugir. Sentia o vibrar da explosão iminente, o calor intenso nos pés, um fumo escuro, o peito esmagado no volante, o aperto no coração.
Seria o amor daqueles tempos em que viajaram, beijaram, sentiram e depois arrumaram em noites perdidas na contabilidade, ela esperando, ele ganhando, e a vida dos dois com tormentos, arrelias, tudo porque teria querido ter uma empresa? O dia em que ela saiu de casa, chorosa e triste pelas palavras que o whisky proferiu.
Hoje era ele que saia, sem aviso, para aquele tribunal, onde todos o acusariam de não ter lutado, de não ter sustentado, de ter falido. Hoje era o dia em que ele pagava pela última vez portagem. O dia em que entregava os cartões e as máquinas, o dia em que seria insultado por aqueles a quem pagou penosamente, todos os dias que consigo passaram.
Os senhores das finanças de cara lavada e austera, os sindicalistas ferrados, orgulhosos de tão desdito propósito. Um teatro, onde e apesar de ser a personagem principal, não dispunha de uma única frase no diálogo da peça. Reunidos na mesa oval, davam eloquência à cena, miravam-no com desdém, a ele, o comerciante com capacidade, cujos actos eram tidos como comerciais, subjectivos, objectivos, não interessava, os seus desgostos eram realmente comerciais.
No banco de trás, na pasta dos documentos o aparelho tocava, uma e outra vez. Ouvia-o com paciência, não podia atender. Com custo talvez pudesse esticar o braço, voltar a fronte, mas certamente não valeria a pena. Um credor, o banco. Os amigos que tivera naquele banco, todos o tratavam bem, a quem não devia nada, porque já não lhe confiavam nada, porque nada já havia para sorver.
E se agora a mãe lhe ligasse, que lhe diria. O céu estava azul, as nuvens, mas faltava-lhe o ar para esboçar um sorriso à natureza. A natureza forte que faz dos homens das aldeias humildes e sérios, temerosos à revolta das árvores, da chuva e do inverno. Esses homens com quem não viveu por serem simples, por recearem apenas a força do rebentos e desprezarem a tecnologia. Esses homens esbatidos em roupas escuras, de poucas falas e de grandes filosofias inúteis.
Ele temia a cidade, a força do tempo e do dinheiro. E nem ali, com o sangue aquecer a fronte, podia pensar de outra maneira. O que tinha sido a vida afinal? O que fez? O que construiu? Não lhe doía nada, não sentia mais nada, senão todos esses pensamentos. Acaba aqui – pensava - É este o meu fim, onde poderei começar de novo?
Que poderei fazer? Quem me dará emprego, se já não sei nada, se tudo esqueci.
Tinha sede, muita sede. Naquela posição não via água, só o céu, azul, cada vez mais azul.
2 comentários:
Eh pá, com esta tiragem já me ganhaste! Eu lá tenho tempo para isso?
Oh um conto tem ke ser contado rapido, e lido rapido tbm e ficares tipo buum, ke, este gaijo é parvo. Ou entao tera ke seguir tipo contos de fadas
Enviar um comentário