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terça-feira, 1 de junho de 2010

Quatro Para Sete

Entrou no carro e sentiu que fora dentro de um forno acabado de queimar que entrara. O ar rarefeito e irrespirável era insuficiente para lhe oxigenar o cérebro. Ainda assim, o entusiasmo que a movia por se precipitar para o encontro era manifestamente superior ao quebranto que o cachão da tarde teimava ofertar-lhe. Percorridos os parcos quilómetros que a separavam do ponto de encontro sentia a animação encrespar-se antecipando-se a alegria do reencontro com as suas amigas. A vida vazia de emoções fortes que vivera nos últimos meses dissipara-se como que por milagre, devolvendo-lhe a leveza do sentimento que se retira das coisas simples. Deu duas voltas ao parque e estacionou na terceira fila. Desta feita, o nervosismo tolhendo-lhe os gestos que, supostamente, deveriam ser exercidos de forma ordeira e disciplinada, obrigara-a a voltar atrás recolhendo as chaves esquecidas na ignição. Faltavam apenas alguns metros e dali pode avistar a mesa da esplanada onde elas a aguardavam. Mas, que diabo, não estavam todas. Aproximou-se e Nocas, a sua companheira de sempre, fizera notar-se com os gestos e os sons de boas vindas que a caracterizavam. Foi a primeira a receber aquele abraço apertado, à medida do aperto que sentia na garganta. Apesar de tudo, apesar de todos, estavam de novo juntas. À direita, Xana discretamente maquilhada, blasonada por um discreto e elegante tailleur de executiva, ataviada com os indispensáveis colares, brincos e pulseiras, exibia, feliz, um invejável sorriso em cada um dos braços abertos para albergar o segundo abraço.
– Como estás, minha amiga?
– Vou estando, agora bem mais feliz, respondera.
À esquerda, embora a posição nada tivesse a ver com ideologias, Tina, irreverente, alucinada, gesticulando como só ela.
– “Pá, fogo, estava a ver que nunca mais. Venha daí esse abraço, sua abécula.”, atirando-se-lhe ao pescoço com toda a sua alegria de viver.
– Porta-te bem, miúda, olha que eu já não tenho idade para ter 33 anos.” Sentaram-se as três entreolhando-se, analisando cada vinco de pele, cada sombra no olhar, como se quisessem ver, ainda que fugazmente, o que ao longo dos meses limitaram-se a pressentir.
– O que vais beber, apressara-se Tina, exibindo a caneca a transbordar.
– Cerveja é que não. Sei lá, uma água.
– Xi que mau gosto, fogo , pá.
A custo mas não podendo reter por mais tempo a pergunta que nenhuma das quatro queria fazer, Lorena atrevera-se lançando a questão.
- Ainda que mal vos pergunte, alguém sabe o motivo porque somos só quatro?
Nocas encolhendo os ombros e de embargo na voz, atira:
- Que raio de mania de fazer sempre perguntas difíceis. Porque é que não perguntas antes qual a chave do euromilhões?

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Sete Para Sete

Para Xana, que sempre se evidenciara pela firmeza das suas posições, pela rigidez e concretismo com que avaliava as pessoas e a realidade circundante, o Natal era um tempo mágico, perfeito, se perfeição existisse. O tempo por excelência do amor por nada. Não foram poucas as vezes que Xana e Lorena se debateram, uma pelo "Pró" outra pelo "Contra". Xana entendia que no Natal, como que por Magia, o amor brotava sem cobranças. Lorena, talvez por cepticismo, talvez por saber de experiência feito, tendia a não acreditar em altruísmos, fosse em que época fosse, contrapunha argumentando de que não há almoços grátis, nem mesmo no Natal. Nocas, sempre pronta a aliviar tensões, distribuindo gracejos, sentada no topo da mesa rectangular, atira de chufa gaiteira - Protesto, é mentira. O que mais se vêm são almoços e jantares grátis na época de Natal. Mas então, que chamas tu aquilo que nos dão conta os noticiários televisivos? - Reality Shows, responde Lorena. - Não passam de meras encenações da boa-vontade e do puro-fraterno-cristianismo de preferência, bem ventilado aos quatro ventos.

Tina soltava já faíscas frenéticas pelo olhar. A irreverente das irreverentes sempre tivera resposta para qualquer desafio e em qualquer momento. A intrínseca irrequietude pulava-lhe dos olhos para os olhos e como que se libertando das amarras da voz, ironizou: - Ora nem mais! Dêem bacalhau aos pobrezinhos e não os ensinem a pescar. Ponham-lhes as batatas e as couves na boca e escondam as alfaias agrícolas. Este país está á beira da falência e ainda ninguém percebeu que é na terra, que é da terra que virá a solução. Lorena achava que de tanta lucidez incompreendida, um dia Tina acabaria por se entregar, por se abandonar nos braços da loucura. Se é que não seria esse o seu estado natural, a lúcida loucura ou a louca lucidez que facilita o suster do chumbo dos penosos dias nos ombros.

Dina, dolosamente empenhada na sua recente resistência ao único vício que mantivera durante anos – a nicotina - evitava exaltar-se desviando-se de Tina, que mantinha cigarros acesos com cigarros.

Vicky, que até estava em dia "sim", tentando acalmar os ânimos já um tudo-nada fogosos, aproveita a deixa da Tina, e inicia relatos com minúcias telúricas, as suas experiências com as plantações. - Eu já vos contei da minha experiência com a criação de larvas? Foi a gargalhada geral. - Larvas, que nojo! Nocas, que por natureza preferia ouvir e deixar que as outras se soltassem, não resistira. E eu a pensar que te tinhas dedicado à criação de galinhas, coelhos e cabrinhas. Já há tempos que não te visito na quinta. Como te tens saído? Apesar de ter alguma experiência em actividades agrícolas, Lorena nunca se sentira vocacionada para a área, e aproveitara para ridicularizar. - Eu gostava mesmo era de ver-vos a brincar com bichinhos e esterco dentro dos currais mas na versão alive & kicking, e não dentro dos monitores. Vão endrominar outra. Nem para essa agricultura de trazer por casa tenho vocação. Tê, licenciada e pós-graduada em agronomia, faz uma careta. Mas afinal, digam-me lá, a conversa não era sobre o Natal?

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Mais Um Natal - Seja Lá Isso o Que For.

O fim-de-semana na montanha excedera as muitas expectativas criadas pelo grupo das sete amigas. As gargalhadas de puro gozo que se lhes pularam da alma, tonificaram vontades serôdias transformando-as em energias pueris, saltitantes. Contavam-se já 180 dias após a despedida emocionada, com promessas de repetição garantida. A verdade é que todas haviam degustado todas as horas de conivente camaradagem com o fervor da adolescência passada, mas a vida pessoal de cada uma delas aguardava impaciente, com garras afiadas, prontas a serem cravadas em cada lasca do restauro conquistado e, assim, causando riscos profundas na airosa pintura.

O ano civil entrara no seu último trimestre e as copiosamente publicitadas dificuldades económicas e financeiras nacionais e internacionais, decisivamente agudizadas nos últimos tempos, obrigavam a esforços redobrados por parte de Tina. A sua empresa dava sinais de poder vir a ceder ao Adamastor e era urgente a tomada de medidas drásticas para a sua redenção. Ainda que mergulhada em multiplicadas angústias, nunca se deixou ir abaixo, talvez movendo moinhos de vento, talvez erigindo castelos na areia, mas sempre de espada em punho, contra todos e contra tudo. Essa era a sua forma de estar na vida. Nunca desanimar, nem mesmo quando se vê o fundo ao túnel e se constata que afinal nos roubaram a luz que lá deveríamos encontrar.

Com esta sua postura tentava a todo o custo contagiar Vicky que, ainda que tendo um percurso académico e profissional notável e sendo o seu trabalho reconhecido pelos melhores, o cansaço e a mão penosa da vida familiar causara grandes depressões nervosas, levando-a a desesperos inimagináveis por mentes práticas, como se podia caracterizar a de Tina. Ainda assim, a preocupação sentida pelo bem-estar de Vicky não era exclusivo de Tina. Todas nós, sem excepção, salvaguardando-se desta generalização, talvez a Tê, a Dina, que por não lhes ser facilitada a proximidade diária ao grupo, se seguravam dentro das próprias inquietações e, assim, evitando o sofrimento vivido pelas outras, o que não acontecia com as restantes. Tina, Lorena, Nocas e até Xana, eram as que mais sofriam com o sofrimento de Vicky. Lorena repetia pesadelos nocturnos com a sua amiga. Sempre que os sinais apontavam para nova crise, o desespero desenfreado causado pelo aúste a que aquela amizade se restringia, secava-lhe os movimentos incendiando o sentimento soberano que haveria de ser para sempre a impotência.

A sinalefa estatelada nas vitrinas das montras e ataviando jardins públicos e privados com luzes de encandear sugerem que mais um Natal se avizinha. Seja lá isso o que for.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

As Sete Magníficas

A montanha amanhecia banhada pelas gotículas de orvalho nocturno. O rio marulhando segredos ecológicos calçava o sopé com uma frescura há muito almejada pelas sete amigas que, finalmente, contra todos as tendências da rotineira e ocupada vida que escolheram, conseguiram reunir-se sem a ausência de nenhuma. A logística do acampamento ficara a cargo da Tê, sempre mais e melhor informada sobre os cuidados a ter em casos destes. A tenda, empréstimo conseguido a custo elevado ao primo da Nocas, que embora nunca tenha sido escuteiro, sempre gostou de participar em arraiais, e que, para o efeito, havia adquirido o respectivo material necessário, era suficientemente espaçosa para as sete magníficas. A primeira a esgueirar-se para o exterior foi Vicky. Apesar de se encontrar num ambiente descontraído, era difícil desligar-se dos seus problemas e as noites de insónia tornaram-se recorrentes desde há uns tempos para cá. Do saco-cama alojado na divisória central da tenda, observando-a espreguiçar-se, Lorena ouviu um cantarolar animado. Tina, a benjamim do grupo e, sem dúvida, a mais expedita, de um salto se ergueu, soltando estridentes gargalhadas.
-Meninas! Toque da alvorada. São horas!
Um resmungo abafado fez-se ouvir vindo do quarto da direita. Era a Nocas, a mais preguiçosa. Passava grande parte do tempo sentada. Costumava desculpar-se com a delicadeza dos seus pés que, com duras penas, já tinham carregado o resto do corpo por tempo demais.
-Cala-te, pá. Nem num fim-de-semana de relaxe se pode dormir profundamente. Sabes bem que só assim consigo tornar o mundo num lugar mais apetecível.
-Vá lá, Nocas! Vê se, pelo menos, nestes dois dias consegues aproveitar o ar puro da natureza. Xana, seguramente a mais idónea e responsável do grupo, fizera-se ouvir. Talvez o facto de ser a mais velha a autorizasse, ainda que inscientemente, a tomar as rédeas da progressão harmoniosa do dia. Xana especializara-se em telecomunicações e, por defeito da sua cultura organizacional, propusera a todas que desligassem os telemóveis. Estavam, assim, desde as 18 horas do dia anterior, sem qualquer ligação ao mundo do qual todas, em total sintonia de anseios, quiseram fugir por umas singelas sessenta horas. Dina, ainda se opusera, nunca tinha estado tanto tempo longe do filho e não se sentia minimamente confortável com a ruptura, ainda que por pouco tempo, do inquebrantável elo que se impusera entre os dois.
Dando mais meia volta calaceira, Lorena mergulhou ainda mais no interior do acolchoado saco-cama. Todas tratavam da confecção do pequeno-almoço ecológico e equilibrado e o cheiro a café quente invadiu a tenda. Irresistível. Tina, com o seu ar bem disposto, entrou na tenda com ar provocador.
-A menina Lorena é servida de um cafezinho?
-Sim, pleaaaaase! Respondeu em tom de sofrimento.
-Levante-se, faz favor, e vá buscá-lo lá fora. Olha-me esta, sua sorna! E de sorriso parido de dentro, preso aos lábios, esgueirou-se novamente para o apetecível bosque que acolhia o grupo. O dia prometia grandes aventuras e, de um salto, Lorena, ainda em pijama e ensonada, esgueirou-se para fora da tenda. As sete amigas de sempre – Nocas, Dina, Tina, Vicky, Tê, Xana e Lorena - que por tempos intermináveis haviam adiado este encontro, conseguiram, enfim, dois dias para conversar, rir, ler, caminhar, correr, ouvir música e até nadar nas águas límpidas do rio que lhes cantarolava na alma. O café estava delicioso.