terça-feira, 22 de dezembro de 2009

ÁGUA LEVADA



Ao 100anos e ao Jama

Agora, alguém que se atreva a qualificar esta balada de esquisita.


Tejo que levas as águas
correndo de par em par
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar

Lava-a de crimes espantos
de roubos, fomes, terrores,
lava a cidade de quantos
do ódio fingem amores

Leva nas águas as grades
de aço e silêncio forjadas
deixa soltar-se a verdade
das bocas amordaçadas

Lava bancos e empresas
dos comedores de dinheiro
que dos salários de tristeza
arrecadam lucro inteiro

Lava palácios vivendas
casebres bairros da lata
leva negócios e rendas
que a uns farta e a outros mata

Tejo que levas as águas
correndo de par em par
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar

Lava avenidas de vícios
vielas de amores venais
lava albergues e hospícios
cadeias e hospitais

Afoga empenhos favores
vãs glórias, ocas palmas
leva o poder dos senhores
que compram corpos e almas

Leva nas águas as grades
...

Das camas de amor comprado
desata abraços de lodo
rostos corpos destroçados
lava-os com sal e iodo

Adriano Correia de Oliveira

18 comentários:

100anos disse...

Saphou, essa foi à falsa fé !
E agora, que, como as velhinhas que vão ao cinema ver os dramalhões, já derramei uma lagrimita... vou almoçar, que o meu mal é fome.
Abraço agradecido.

Mofina disse...

Ficava melhor assim:

Tejo que LAVAS as águas...

Blimunda disse...

100anos, embeiçei! Buáááá.

100anos disse...

Estou a gravar uma versão exclusivamente instrumental do "Tejo", só em viola.
Se a coisa sair decente eu depois mostro-vos o resultado.
Entretanto, vejam esta:
http://www.ciberjus.org/multimedia/viola.html

Blimunda disse...

O som da viola é tocado por si, 100?

É de encher a alma. De tristeza.

100anos disse...

Yes.
A viola e a voz.
E nem queira saber o esforço que preciso de fazer para não me tremer a voz.

Blimunda disse...

Caraças! Ia jurar que era o Adriano. Não posso!

100anos disse...

Obrigado, Blimunda, já ganhei o dia !
Confundir a minha voz com a do Adriano, puxa, vida, não é todos os dias.

Blimunda disse...

Não, a sério. Estou impressionada. É lindo ouvi-lo. Apesar da tristeza da música, do timbre, da mensagem da letra, transmite uma quietude, uma paz..., tal como Adriano. Parabéns.

Blimunda disse...

Achei que o ligeiro desfazamento entre a viola e a voz se devia á montagem.

Quem ganhou o dia fui eu. Palavra. Sinto-me uma previligiada. O Jama também vai adorar. vai ver.

Saphou, onde andas tu, mulher que não vens assistir a este sarau?! Lindo, pá! Um momento ímpar nesta casa. Recebemos Adriano e tu nem água vai...Caramba!

Blimunda disse...

Leia-se: privilegiada. Fui. Com dificuldade mas fui.

jama disse...

Gostei muito. O 100 anos não me diga que meteu cordas de nylon na viola que aparece na imagem! O 100 anos não acha que a Blimunda parece uma das Rosas? Se calhar até é. OU será que foi comensal nos Galifões. Aquilo é que eram mulheres de fibra.

100anos disse...

Eh pá, já vi que estou a lidar com malta que percebe da poda.
Não, Jama, a viola que aparece na imagem é uma Ibañez folk de cordas de aço e a “Canção com lágrimas” foi gravada numa Ovation de cordas de nylon (daquelas com a caixa arredondada atrás, tipo alaúde).
Aconteceu apenas que numa tarde de um Domingo melancólico gravei a canção num sistema artesanal que cá tinha em casa e como já tinha a fotografia da Ibañez aproveitei-a para fazer a rotina em Java misturando-a com a fotografia do Adriano – foi esse cocktail que resultou na designação “Saudades do Adriano e uma viola”.
Em relação à Blimunda, às Rosas e aos Galifões, estou completamente “in albis” e por isso não arrisco uma opinião – só posso ponderar que quem gosta de ouvir Adriano tem que ser boa pessoa, e sendo mulher, é certamente de fibra.

saphou disse...

Muito prezo que tenha pio Jama, agora estamos aqui sem ele, com a gripe de Mister PDF.
Blimunda, obrigada amiga. 100 anos, estou emocionada e hoje que estou com os azeites, conseguiu emocionar-me. Parabéns.
Jama, estou a tentar arranjar um colaborador para o seu estaminé...

Blimunda disse...

Ora vejamos, amigos. Não fui uma das "Rosas Luxemburguesas" nem "Comensal nos Galifões". Com muita pena minha.

Como já disse, tive o privilégio de conhecer Adriano Correia de Oliveira, um ano ou dois antes da sua morte. Já estava doente na altura. Jantou na humilde casa dos meus pais com a mulher e o resto do grupo. Não me lembro ao certo quantos eram. Talvez uns 5 ou 6. Recordo o Adriano com a sua pêra sem bigode, a desfazer a barba na casa de banho, em camisola interior e a voltar à cozinha de tolha ao ombro, onde todos o aguardavam para o jantar antes do espectáculo, que aconteceria nessa mesma noite lá na terra. Eu teria uns 13 ou 14 anos e não 11 como disse ontem. Como não podia deixar de ser, foram muito poucos os espectadores que assistiram ao espectáculo. As conotações políticas associadas à sua música justificavam a falta de quorum. Eu, as minhas irmãs e os meus pais estivemos lá, logo à frente do palco colocado no largo da Igreja. Não pertenço à geração de Adriano, os meus pais sim, são de 1942 como ele, mas tocam-me, profundamente, todas as suas músicas e letras. Não sei se isso fará de mim uma boa mulher e de fibra.

100, aguardo a versão exclusivamente instrumental do "Tejo", só em viola.

jama disse...

Ibañez, Ovation, Fender, Geannini, que saudades do tempo em que a minha vida era feita dessas marcas. Fui à boleia desde US até Aosta porque me disseram lá havia Ovation's a 40 contos (em Portugal custavam, na altura, 80 contos).Claro que cheguei lá e fiquei aterrado quando vi que custavam era 100 contos!!!! Passei a comer pizas (as mais baratas custavam 700 liras e vendiam-se em qualquer rua), a dormir em casas em construção (técnica que aprendi com um inglês), a trabalhar aqui e ali, nisto e naquilo, e a andar por lá completamente ao acaso, até que, quando já estava instalado (trabalhava então numa quinta) e a pensar fazer a minha vida por ali, tive de regressar. Nessa altura, há muito que tinha acabado o visto de turista. Regressei a US com um saco cheio de histórias e com as meias que tinha mais sujas cheias com os francos suíços que havia levantado da conta que já havia constituído na UBS. Com esse dinheiro comprei uma "Famel" que ainda tenho.

mac disse...

Obrigada, Saphou... Também aproveitei do presente.

100anos disse...

Belas marcas, Jama, belíssimas marcas, também toquei muito numa Gianini.
Actualmente estou a passar uma fase engraçada com a Stratocaster, que é recriar uma série de canções antigas com o timbre e a acção especial desta viola – a Strato tem uma definição de som e um braço deslizante que nos atira para sonoridades de cair para o lado.
Tenho também algumas histórias de violas, enfim, há-de haver oportunidade de um dia falarmos sobre elas.
Blimunda, a versão instrumental do “Tejo” que ando a engendrar ainda é capaz de demorar uns tempos, pois pondero a ideia de a gravar em estúdio e isso deve levar tempo.