terça-feira, 21 de setembro de 2010

Dói menos se...

Era já noite alta. O bom senso mandava dormir mas a irreverência adormecida há já algum tempo mandava que despertasse. Estava cansada de se ver definhar. Não foi preciso ir longe. A ajuda estava apenas à distância de um par de cliques. A sublime presença, a amizade que lhe dedicou desde o início fê-la renascer. Dois dedos de conversa e, por artes desconhecidas, os olhos abriram-se para o que sempre estivera à sua frente. Dói menos se assim o desejarmos. O remédio para a enfadonha mas mortífera moléstia não está senão no próprio querer. - “Não foram as circunstâncias do ambiente que te rodeia que mudaram, foste tu” – dissera-lhe ela.

O dia amanheceu alerta e disposto a percorrer o seu caminho. Bom dia, Alegria! Venham mais cinco, venham mais dez, venham quantos vierem que a pétala pode até murchar mas ficará para sempre o aroma do bem que fez enquanto viçosa. Obrigada amiga!

P.s: Saphou, isto foi com ela, podia ser contigo. Ela mandou dizer-te que dói menos se assim o desejarmos.  

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Parabéns, Saphou, sempre

Parabéns, amiga!


Que hoje faças anos e que o dia não se limite a somar-se aos já passados.

Um abraço.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Ó faxavor, taxi,

leve-me até Poceirão, na zona do deserto  Alcochete jamais, que eu quero apanhar o TGV para Madrid (talvez pernoite em Caia, para descansar, ou permanecer indefinidamente, até ao próximo troço). Naturalmente, quem vem de Madrid no TGV o que mais vai desejar é permanecer em Poceirão, porque Lisboa é muito longe. Poceirão será o novo centro de negócios do país.Poupa-se tempo de viagem.
Porquê Poceirão e não  Rinchoa, dependendo dos dias, também a 50 minutos de Lisboa?

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

foursquare

Quem não tem foursquare, é parolo, ignorante, ou pelintra, ou tudo junto!Saphou, na crista da onda virtual. Já agora, uma colecta para Saphou comprar um smartphone, please! É no interesse público. Como é que fomos capazes de viver sem foursquare até hoje, é uma questão que me atormenta o espírito.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Parabéns Privada


segunda-feira, 13 de setembro de 2010

D. Rosa Sequeira


Já vos falei da D. Rosa? Ela existiu, embora agora tenha algumas dúvidas.

- Trabalhar e poupar manda o Salazar!

E grande gargalhada, lembram-se disto? Mas, eu já vos contei.
Era aquela senhora que me garantia ter chegado ao Porto, vinda do Brasil numa barca, ela, o marido na cadeira de rodas, a cadela e o homem do leme.

- Mas uma barca era uma coisa muito avançada menino, a maioria chegava de carro de bois.

No dia 15 de Agosto de 1950, não se lembram?
Como é que vocês podem ter esquecido a D. Rosa?!
Quando o Ministério Publico ordenou à Cuz vermelha que a levasse ao Hospital, e ela regressou pelo seu próprio pé, galgou o muro de 12 metros, e quando deram o alerta do seu desaparecimento, argumenta:

- Mas menino, eu estive lá horas e não fui atendida. Vim embora, vou medir a tensão amanha, a que horas ia fazer o jantar? Gosto de comer cedo.
- D. Rosa, a senhora ainda me vai estragar a vida.
- Ah isso não menino, a minha maquina de fazer malha estragou-se, nunca mais encontrei peças para a arranjar.

Como é possível, não se lembram mesmo?

- Vá menino, entre, venha tomar um chá com a velha.
- D. Rosa, a senhora não tem água para fazer chá, já não tem sequer electricidade, e isto D. Rosa vai ruir, a senhora tem que sair.
- Oh menino, parece impossível, é chá de garrafa!

- D. Rosa então, atira com pedras aos homens, não vê que caem do andaime?
- Oh menino, não vê que eu não acerto.

- D. Rosa amanha, vem aqui umas pessoas e vão leva-la, para sua segurança, o vão de escada já caiu.
- Não se preocupe menino. Quinta-feira é que, se tiver força, devo ir ao Pingo Doce, amanha, pode vir, que eu estou por aqui.

Não se lembram da D. Rosa?
É pena, queria saber se a tinham visto, soube que saiu numa maca, só 2 pessoas se atreveram a entrar, foi hospedada num lar. A casa está quase pronta. E desta vez, queria assistir à sua chegada.

- Entraram por aí dentro menino, com aqueles fatos à Armstrong, veja só, disfarçados de americanos, como se eu não soubesse que eram todos comunistas, peguei naquele estadulho, e comecei a gritar:
Parai de roubar, trabalhar e poupar manda o Salazar. E olhe, não houve 25 de Abril.
- Oh D. Rosa vinham ajudar, são os senhores da emergência.
- Emergência, emergência, é viver a vida sem aparência. Venha menino, tome um chá com a velha.

domingo, 12 de setembro de 2010

Voar

sábado, 11 de setembro de 2010

Talvez a ti, talvez a mim.

Faz-me falta escrever mas não se mexem os dedos. Queria esboroar em palavras que falassem o que por cá dentro me vai mas têm sido esconsas as tentativas. Pus-me a ler palavras de outros tempos, reveladoras de outros estados de espírito ou talvez dos mesmo mas encapuzados, não sei. Senti saudades doridas, li as tuas palavras, Saphou, e doeu-me não te saber, não te ter em parte alguma. Todos os dias procuro. A vida tem destas viagens, idas e voltas e outras só idas. Estou cansada de procurar, pois pudera, se nem eu sei quem procuro. Talvez a ti, talvez a mim.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Saphou sózinha em férias, finalmente, no Arquipélago de Socotra,

a jogar ao esconde esconde com perigosos piratas por entre o arvoredo bizarro, em que se contam, a título de exemplo, florestas de olíbano, mirra, e a fantástica árvore dragão, ou dragão de sangue (dracaena cinnabari), para combater o stress.
...
O pior são os ditados portugueses que nos perseguem para todo o lado. "Quem anda à chuva molha-se", "O lume ao pé da estopa o diabo lhe sopra"...
Estou a viver uma paixão tórrida com um pirata somali.
Tudo se passou quando eu aluguei um barco para mergulhar ao largo na nudez do Índico. Já estava a uma distância razoável da praia fabulosa de onde parti e atirei-me ao mar, nua e sem véu, quando retornei, lá estava ele, sentado na embarcação.
Foi paixão adolescente à primeira vista. Ele arranhava umas palavras em inglês. Eu um pouco de socotri (a língua nativa de origem semita). E lá nos fomos entendendo, com muita linguagem gestual pelo meio. É belo, não é um pirata somali vulgar. Lidera um grupo de malfeitores, depois de ter deixado a escola onde dava aulas por pouco dinheiro e muitas humilhações pelo meio. Sorri-lhe, aquilo pareceu-me familiar.
Temo-nos encontrado. Detalhes nem pensem, cuscos. Ele quer seguir-me para Portugal. No  way. O que acontece no Corno de África permanece no Corno de África. Hadibo ficará sempre uma cidade na minha memória, junto com as cordilheiras de montanhas escarpadas, as praias de areia luminosa e fina, o mar azul turquesa  e o barco...Sou é capaz de seguir a ideia de liderar uma organização de malfeitores, ainda não sei bem de quê. Quando voltar, vou pedir uma audiência ao Secretário de Estado do Desporto. Ele não negará uma ajudinha, já que teve a arte de exercer advocacia, durante quase uma década sem ser advogado e agora choca-se com palavrões proferidos contra prováveis malfeitores. Tudo a bem do Estado de Direito, claro! Em Portugal é importante ser malfeitor parecendo impoluto. É a regra nº 1 do sucesso.
Já agora, uma empate a 4-4 com o Chipre, essa potência do futebol mundial, obtido no Berço da Nação, parece-me um resultado excelente. As notícias chegaram-me através de um biólogo mais tolo do que eu, que está aqui há um ano e meio a estudar as cerca de 700 espécies de plantas e animais que não existem em mais nenhum lugar da Terra. Quando voltar, planeia estudar o Madaíl e os polvos da FPF.

domingo, 29 de agosto de 2010

João Leonardo ou conversas com um adolescente parvo

-Porque é que não me deram o nome de João Leonardo, já que todos os primogénitos da família da avó Zi têm esse nome? Aí sim, seria um Senhor, bastava colocar uma espada e um  escudo na parede atrás de mim, por trás do meu lugar à mesa...
-Por acaso é uma boa ideia e agora que tens 18 anos podes perfeitamente acrescentar ou mudar o nome. É bem pensado, não sei como nunca me lembrei disso.
-Não vou acrescentar mais primeiros nomes, sob pena de ter mais primeiros nomes do que sobrenomes.
-Dom Duarte tem muitos primeiros nomes.
-Dom Duarte é um idiota.
- Mas podes acrescentar sobrenomes, mais dois. Maria também é um nome com muita classe. A tua irmã tem Maria no nome e eu também.
-Estás a gozar? Em Portugal, atira-se uma pedra para o campo e há 90% de probabilidades de acertar numa Maria.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Relações

Passamos 13 anos juntos, ou 12, ou 14, perdi-lhe a conta. Ao contrário das relações vulgares que por aí se comentam, a nossa aproximação aumentava com o passar dos dias. Ao fim de poucos anos, não passavam duas horas sem que nos tocássemos, e até o sono, quando durava mais do que 5 horas, aumentava a saudade e tínhamos que nos aproximar logo ao nascer do dia.

Nem mesmo quando fui traído, ou quando me deu um soco e me afectou um pulmão, nem nos dias em que me apertava a garganta a ponto, de não puder falar e de ter vergonha disso, abandonei esta relação. Uma relação de toda a vida, porque eu, como as pessoas vulgares, simples e ocupadas, relativizo o tempo da infância e do estudo, ou talvez seja esta relação, que me marca a cronologia. O que é certo é que digo com a maior das facilidades “uma relação de toda a vida”, é metafórico, real não é, mas compreendem onde quero chegar.

Sei que não é saudável, que uma mente esclarecida e um corpo exercitado, deve alhear-se destas situações, mas a verdade, a verdade é que a relações são cordas nos embarques da vida, e se as cortarmos, podemos ficar sem pontes. Sei nadar bem. Mas compreendem o que digo, uma vida sem relações, sem dependências, não é uma vida.

Qualquer drogado poderia dizer isto que eu digo, mas convenhamos, a droga é uma situação degradante e quem a consome um doente. Não cheguei a esse ponto. Embora admita que de facto, quando se tende para o expoente máximo se viva em função disso, mas a minha relação é uma situação banal, igual a tantas outras que há por aí.

Escrevo hoje isto, um desabafo sincero, porque de facto há muito a questiono, mas eu amo tanto, foi tanto tempo, e tão próximos que sempre estivemos. Bem sei que é esta relação que me causa muitos dos problemas, que depois me ajuda a resolver, mas ainda assim.

Quando estou cansado, quando não durmo, quando não consigo decidir, quando já não subo a escada, é nesta relação que me apoio, que sempre me apoiei, claro está, mais uma vez refiro, que como pessoa normal, tenho que relativizar a infância, a juventude e adolescência, esquecer-me desse tempo, não interessa nada, certo?

É bom manter uma relação, e por mais que cheire mal, que faça pó, que me canse e enerve, que me ponha doente, mas gravemente doente, a verdade é que não me apetece, simplesmente não me apetece terminar assim, talvez daqui a um ano, ou dois. Ou um dia, talvez um dia me chateie e deixe de fumar.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

"I'm just a sucker with no self esteem"

O estalo, o pontapé, o soco, são factos, são resultados, precede-os por norma, a acareação constante e infrutífera, mais lesiva que qualquer acto palpável. Uma nódoa negra toda a gente vê, a agressão psicológica, faz duvidar até o próprio agredido. E essa sim, é interessante.

- Desfez o BMW , mas o outro condutor é que lhe bateu, foi um acidente involuntário, não tem culpa.
- Não gosta mais de mim, é um sentimento involuntário, não tem culpa disso, o amor não se controla, nem se cria, se não vendia-se em pacotinhos.

Mas quem de nós, leitores, encara os factos nestas coordenadas? Qual de nós põem de lado a moral religiosa e arcaica, e assume que o amor não se controla? Vá lá, corajosos, então, é fácil depois de 2000 anos de mentalização?

A moral, essa moral, o amor é para toda a vida, havemos de convencer quem não nos ama, a amar-nos, seja dando-lhe um estalo, ou recebendo esse estalo, mas por fim, havemos de obrigar o outro a sentir-se da forma que queremos que se sinta, porque o amor, essa cena que nem de nós depende, está bem explicado na moral, e deve durar para toda a vida, sendo alimentado, com esforço, com sacrifício, com discussões diárias, com estalos, murros, pontapés. Havemos de forçar a amizade e nunca, nunca desistiremos. - do amor não se desiste! - Dizem eles e elas cheios de orgulho e relegião na cabeça, que quando não levam pontapés, levam bocas foleiras, correcções, gozos, mas desistir, oh isso nunca.

Nessa circunstancia, quando ainda estamos na óptica do insulto, o estalo, o estalo pode ser positivo, pode ser um bom desfecho, era até bom que acontecesse antes da vitima estar desprovida de qualquer sentido. Geralmente so acontece, quando estalo menos estalo, já faz pouca diferença, para quem não consegue viver para alem da moral.

O amor, meus queridos amigos, que importância tem o amor? Acaso a vida é um filme, algum episódio da bíblia? o amor de perdição é ficção. A amizade, a amizade sim é um sentimento, que de ser livre, é puro e vale a pena. Agora o amor, perde-se, ganha-se, não vale a pena lutar por isso, desfrutar, com a devida relatividade, como faz Manuela Ferreira Leite, atirando-o, como é óbvio, para exclusiva pro-criação, e fazem-se filhos em minutos.
Amor só existe, para com nós próprios, é algo próximo a ver a Foz e pensar, foda-se, só me restam 60 anos de vida.

E depois disto deixo-vos com offspring

It happens more than I'd like to admit
Late at night, she knocks on my door
She's drunk again and, looking to score
Now I know, I should say no, but
It's kind of hard when she's ready to go
I may be dumb, but I'm not a dweeb
I'm just a sucker with no self esteem

The more you suffer
The more it shows you really care
Right? Yeah!


E com o alerta de que os relógios continuam avariados.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

sábado, 7 de agosto de 2010

À porrada, à facada



David Mellon, tirado AQUI

ou de outra maneira qualquer é como alguns nos matam.
A maior parte dá-nos sovas de criar bicho, a mim também, estou farta de apanhar.
À primeira não saí de casa por vergonha, como haveria eu de dizer que ele me tinha batido, como haveria de explicar que tinha sido uma simples discussão que dera para o torto, como haveria de explicar que não tinha sido minha a culpa se nem eu mesma tinha a certeza. Depois ele pediu-me de joelhos perdão. Valha-me deus, de joelhos e a chorar, como não o haveria de desculpar e pensei que não aconteceria mais, ele tão sincero.
Apanhei muitas, toda negra tantas vezes e não saí, já não sei porque nunca saí, sempre a dizer à minha patroa que o miúdo estava doente.
Um dia quando cheguei a casa dela, ouvia-a a gemer. Bati-lhe à porta do quarto e a infeliz também toda negra. Valha-me o senhor, se ela apanhava, filha de condessa, o marido filho e neto de doutores, como não apanharia eu.
- A Senhora está bem? Quer que chame a sua mãezinha?
- Não, mal podendo falar, tropecei nos degraus…
Não sei o que me deu mas comecei a rir e tanto ri que chorei e disse-lhe que esses degraus também eu conhecia de cor e salteado, mas mesmo assim passava a vida a tropeçar neles. Disse-lhe tanta coisa, que tinha dinheiro, que se fosse, que ele não a merecia eu sei lá, e ali ficámos as duas chorando abraçadas.
Na vez seguinte que lhe disse que o meu filho estava doente e eu cansada, ela apareceu-me lá em casa. Foi a vez de ela falar, que eu me fosse, que me guardava o lugar, que o denunciasse e eu ri, ri tanto que chorei, ela abraçada a mim chorando também, que na sociedade dela ninguém denunciava, parecia mal, que era uma vergonha, que todos criticavam, que comiam e calavam, eu explicando-lhe que na minha sociedade, também, poucas denunciavam, que todos nos criticavam por denunciar ou por não denunciar, por largar ou por ficar, mas que a culpa, a culpa é sempre nossa.
Hoje saio, porque me bateu por o mais pequenito estar a chorar. Hoje saio, mas trago a culpa que a sociedade dela e minha nos põem nas costas. Hoje saio sem nada a não ser choro e lembranças eternas. Hoje saio sem sonhos nem esperança, mas com raiva nas mãos e no coração. Hoje saio só com a roupa que tenho no corpo e os miúdos. Hoje saio sem saber para onde vou ou o que vai ser de nós.
Hoje saio, mas ele fica em casa, com tudo.
Hoje saio, valha-me deus, hoje saio


terça-feira, 3 de agosto de 2010

REENCONTRO



Foto de JVT do blog O blog que ninguém lê


Quando peguei na maçaneta amaciada, vivida por tantas mãos antes de mim o fascínio foi o mesmo que outrora tinha sentido. Rodei e a porta partida abriu-se chiando nos gonzos, qual moribundo. Andava sempre bem oleada, a madeira tratada agora ressequida, como eu.
Entrei num mundo de penumbra, vidros sujos e rachados, uma réstia de luz ao fundo que não encontrei quando saí. O calor lá fora quase frio cá dentro, o mesmo frio que senti quando a última vez a fechei. Vasculhei o passado sem me deter em pormenores, mas recordei a luz em que vivi durante alguns anos. Saí feliz. O tempo tinha curado.


Aos anos que lá não ia por não querer reviver a fuga dela. Abri a porta partida que chiou nos gonzos deixando-me espantado, sempre a tinha oleada, a madeira bem pintada agora apodrecida, como eu quando ela me deixou sem uma explicação. Entrei na casa suja, escurecida, uma réstia de luz ao fundo que não vi quando saí. O calor lá fora fresco cá dentro, vidros sujos e partidos que outrora jorravam luz. Não quis lembrar, já muita água tinha corrido. Saí sabendo que voltaria para a restaurar. O tempo quase tudo cura.

domingo, 1 de agosto de 2010

Eu via-os, todos os dias, da minha janela

entre as casas e o mar.
Vi-os envelhecer com uma cumplicidade própria dos apaixonados. Embora já fossem velhos quando os vi pela primeira vez, há cerca de 20 anos.
Viviam na pequena casa cor-de-rosa de bonecas em frente. Sempre muito bem tratada, pintada a rigor, janelas de madeira a brilhar, a  horta minúscula, o pequeno jardim, o cão, as duas filhas, já então adolescentes...
Ao que parece a casa era de caseiro e o marido, caseiro da casa cor-de-rosa mater, enorme, mesmo em frente à minha janela, tinha-a recebido como legado da Senhora Taylor. Uma história infeliz de uma tia muito rica que deixara o casarão belíssimo, rosa com janelas verdes, à sua única familiar, uma sobrinha que, entretanto, casou com um tipo que lhe deu cabo da fortuna. Eu vi a casa mater rosa desfazer-se em peças, ao longo dos anos, com muita pena minha, que me imaginava a viver nela...Primeiro, venderam dois lotes e uma família de posses comprou-os, construindo duas casas em frente à minha janela, típicas da escola de arquitectura do Porto, que me impediram de ver o mar bater nas rochas com toda a força do Inverno, ou deitar-se na praia nos dias de torpor do Verão.
Depois, veio uma empresa de investimentos que deu o golpe de misericórdia na velha casa de uma beleza rara. De rosa velho com janelas verdes passou a beije com sinais luminosos, foi-se a relva, a piscina, as árvores centenárias, tudo se foi.
Parece que o casamento da sobrinha da Senhora Taylor também se foi e todo o dinheiro obtido foi para pagar as dívidas do marido.
Mais valera à Senhora Taylor deixar a casa grande rosa de janelas verdes, com entrada por uma rua e por uma avenida, deixar tudo ao caseiro, que soube conservar o seu pequeno legado com o amor com que olhava a companheira.
Todos os dias iam passear juntos, depois de almoço e ao fim da tarde. Sempre de braço dado. Mesmo antes de ele precisar de se apoiar numa bengala, mesmo antes de ela, muito mais baixa do que ele, precisar de se apoiar nele.
Num dia de sol, olhei a casa pequena, com a admiração de sempre, e choquei-em com a tampa de um caixão encostada à parede do pequeno jardim, com uma cruz enorme, quase maior que o caixão, dourada, demasiado dourada. Um carro fúnebre aguardava na rua pacata. Não havia choros, nem gritos, apenas sol e  um silêncio domingueiro angustiado. Apenas a eficiência dos cangalheiros e um caixão que não entrava pelas portas nem janelas na casa que o rejeitava.
Passados poucos minutos, trouxeram um pequeno corpo envolto em lençóis que colocaram no caixão que também aguardava no jardim, com brincos de princesa em volta. Colocaram a tampa, levantaram o caixão pelo muro e passaram-no para o carro fúnebre. A casa também rejeitava que entrassem ou saíssem caixões pelas suas portas.
Apesar de ao longo de quase vinte anos dizermos bom dia e boa tarde uns aos outros, com um sorriso,  nada mais disséramos, nem o nome. Nem lhes disse como os admirava e como me fazia bem o amor e cumplicidade que eles transmitiam ao passear de braço dado.
Ela morreu. Nunca mais o vi. Bem o procuro da minha janela.

sábado, 31 de julho de 2010

NÃO DEIXEM NADA POR DIZER, NÃO DEIXEM NADA POR FAZER....



conselho que só dá quem sente as garras e luta contra a morte.
Nós outros, como dizem os espanhois, continuamos a vidinha como se não tivéssemos ouvido, continuamos a viver como se não pudéssemos morrer agora, como só acontecesse daqui a 100 anos
nada mudamos,
mas quando a sentimos, objectivamento, por perto percebemos quanto deixámos por dizer por fazer, por sentir ou pensar, por gostar, quantos deixámos para trás, aos vivos, por falta de tempo ou por caminhos que se deixaram de cruzar, quanto deixámos por viver porque sim porque não, por medo ou por falta dele.
Então talvez tentemos, sempre com atraso imenso, recuperar os amores, as pessoas, o sentido da vida
deixamos sempre tanto por dizer, fazer e tanto tanto por viver.



Obrigado Saphou, pelas portas abertas

sexta-feira, 30 de julho de 2010