(...)
Aproxima-te um pouco de nós, e vê.
O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Já se não crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos vão abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo! Todo o viver espiritual, intelectual, parado. O tédio invadiu as almas. A mocidade arrasta-se, envelhecida, das mesas das secretarias para as mesas dos cafés. A ruína económica cresce, cresce, cresce... O comércio definha, A indústria enfraquece. O salário diminui. A renda diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.
(...)
A intriga política alastra-se por sobre a sonolência enfastiada do País. Apenas a devoção perturba o silêncio da opinião, com padre-nossos maquinais.
Não é uma existência, é uma expiação.
E a certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte: «o País está perdido!» Ninguém se ilude. Diz-se nos conselhos de ministros e nas estalagens. E que se faz? Atesta-se, conversando e jogando o voltarete, que de Norte a Sul, no Estado, na economia, na moral, o País está desorganizado - e pede-se conhaque!
Assim todas as consciências certificam a podridão; mas todos os temperamentos se dão bem na podridão!
(...)
Não é verdade, leitor de bom senso, que neste momento histórico só há lugar para o humorismo? Esta decadência tomou-se um hábito, quase um bem-estar, para muitos uma indústria. Parlamentos, ministérios, eclesiásticos, políticos, exploradores, estão de pedra e cal na corrupção. O áspero Veillot não bastaria; Proudhon ou Vacherot seriam insuficientes. Contra este mundo é necessário ressuscitar as gargalhadas históricas do tempo de Manuel Mendes Enxúndia. E mais uma vez se põe a galhofa ao serviço da justiça!
(...)
(Eça de Queiroz, excerto do primitivo prólogo das Farpas- Estudo Social de Portugal em 1871)
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domingo, 7 de junho de 2009
segunda-feira, 24 de novembro de 2008
Respondendo a Eça
Quem me conhece sabe que um dos meus escritores favoritos é Eça de Queiroz. Guardo fervorosamente os dois volumes de "Uma Campanha Alegre", editados pela Lello & Lello.
Sempre adorei o comentário intitulado "Uma nova penalidade", em que Eça desmonta, pelo absurdo, o raciocíno do juíz que condenou um marido a varrer as ruas de Gouveia, porque assassinara sua mulher e a partira aos pedaços.
Na sua ironia notável, Eça questiona se Gouveia será uma localidade com tal imundície que se equipare a pena de degredo varrer as suas ruas. A província está cheia de mistérios. Ou se, pelo contrário, varrer as ruas terá deixado de ser um emprego municipal para ser uma pena infamante. Neste caso, corre-se o risco de deixar de haver varredores, dado que nenhum cidadão quererá a incumbência.
Em suma, questiona Eça: "Que a justiça nos esclareça sobre estes pontos: se limpar as ruas é uma penalidade nova, e se, a troco de quatro vassouradas, qualquer cidadão pode ter a vantagem de espatifar sua esposa; se a imundície especial e pavorosa das ruas de Gouveia torna realmente essa pena igual à de degredo; ou se o sr. juiz de Gouveia entende que matar a esposa é acto tão meritório, que merece um emprego remunerado pela câmara".
Pois bem, caro amigo, apesar de não ter um cargo público, e com uns anos de distância, eu respondo-lhe.
Fazendo uma interpretação actualista da sentença, afirmo o seguinte:
Considerando que o movimento de libertação das mulheres, já de si um fracasso, chegou a Portugal ainda mais distorcido e prejudicial;
Considerando que o macho lusitano continua no seu empregozinho, mais ou menos merdoso, e nos seus hobbies, estando-se nas tintas para tudo o resto;
Considerando que as mulheres, além de terem que trabalhar para sustentar a prol, devem ser belas, fazer as lides da casa, e ainda aguentar com o mau humor dos conjuges, ou namorados adoptados e das crias,
Considerando as ausências do típico macho lusitano em viagens de negócios, reuniões, jantares e afins;
Considerando que o típico macho lusitano mente por sistema, pelo que a raça é conhecida pelo tamanho descomunal dos seus narizes;
Considerando que se fazem de santinhos quando lhes convém, ou seja, porque querem algo ou fizeram algo errado, sendo que o período de santidade é sempre de muito curta duração;
Entendo que o sr. juiz de Gouveia era um visionário. Não no tocante a matar a mulher, mas a acabar com o marido. Essa espécie, seja em união de facto, seja em união civil, seja unido pelos santos laços do matrimónio, ao fim de cerca de 5 anos de casamento, deve ser considerada como pertencendo ao grupo dos parasitas. Os parasitas não são bons para o planeta terra, por isso devem ser eliminados. Eliminar o esposo e, eventulamente cortá-lo em cubos, ou triângulos, deve dar lugar a emprego remunerado pela Câmara ou até pelo Ministério. Mas um emprego bom. Faça-se um upgrade. No mínimo, acessora de qualquer organismo público.
Já matar a mulher é outra história. Salvo casos absolutamente excepcionais, deverá redundar em pena de degredo para o Iraque, Afeganistão ou Sudão. A Coreia do Norte também não está mal, porque entram logo na linha.
Esta que muito o admira,
Saphou
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