sábado, 6 de março de 2010

Vidas

Chegou a casa arrasada. Cansaço acumulado de muitas semanas. Um dia terrível em que, a dada altura, se sentiu a desmaiar, não sabendo se fora do coração ou de outra causa qualquer, mantendo a personagem sorridente e profissional, como se nada estivesse acontecer, enquanto por dentro pensava, não sobrevivo a esta e o medo se instalava, tudo sem que ninguém notasse. Felizmente a coisa durou segundos, mas ficou para sempre na memória.

Quando bateu a porta de casa, desatou a chorar, finalmente. A sua vida era trabalho, casa, casa trabalho, mas em casa havia sempre alguém a gritar com ela ou a criticá-la, por muito que se esforçasse. Era o filho que insistia que ela não guiava bem, aos gritos, ou a criticava por jogar jogos de computador para velhos, por por qualquer pergunta que fizesse, do tipo: com quem vais sair?; era a filha que nunca estava e o pouco tempo que permanecia era para a irritar projectando nela a sua baixa auto-estima: o meu cabelo está horrível, estou cheia de bolhas, tenho braços de homem.... Às vezes era ofensiva. Um dia chegara mesmo ao ponto de lhe chamar javarda por ela ter deixado cair umas miseras migalhas de uma bolacha de água e sal no quarto da adolesente.

Felizmente estava tudo aparentemente sossegado: o filho preparava-se para ira uma festa de alguém que ela não conhecia; a filha ainda não tinha chegado do jogo de basquete que se prolongava noite dentro e o marido, como sempre estaria sabe-se lá aonde.

Infelizmente, não tardou a chegar o marido, um palerma, incompetente, expulso de sucessivos trabalhos, porque dedicava mais de 80% da sua vida um hobby inútil, como se fosse um menino rico com rendimentos herdados. Ela aturava a situação sem saber se ainda sentia algo por ele, ou se era pelos filhos, ou por medo da solidão. Isto, enquanto envelhecia, adoecia, deprimia.

Durante umas horas o silêncio permaneceu, até que ele anunciou que no dia seguinte ia estar ausente, como sempre, mentindo: vou só lá tomar café e volto (o café costumava durar a tarde inteira e prolongar-se pela noite; se fosse pequeno-almoço, durava o dia todo).
Iniciou-se uma discussão, que se foi tornando violenta em espiral, porque ele tinha afirmado, peremptoriamente, um dia antes, que este fim-de-semana era para dedicar à família.
O berros transformaram-se em coisas partidas e ele, de repente, assim como uns tempos antes lhe tinha dado uma bofetada inesquecível, agarrou-a pelo pescoço e começou apertar-lhe as carótidas.
A filha, entretanto chegada, valeu-lhe, acordou-o da loucura dizendo: -Papá para! Isto, enquanto chorava desesperadamente e dizia:- eu não tenho que aturar isto, eu sou uma boa menina, eu faço os meus trabalhos, eu tiro boas notas.
A dor da filha dilacerou-a ainda mais, pelas duas. Ela também sempre tinha sido uma boa menina que cumpria todos os seus deveres. Não tinha que aturar mais isto.
Telefonou à polícia para participar dele, mas tinha que ser sujeita a perícias médicas e não estava preparada psicologicamente para esse passo.
Mas ela não tinha que aturar isto. Nem podia viver com o pavor de ser esganada pelo companheiro de 20 anos de casamento, mais 7 de namoro, aquele que em tempso julgara ser o seu amor de sempre.
Há sempre um fim, pensava, enquanto olhava as marcas no pescoço e se entupia em Xanax, uns atrás dos outros.
Tenho que ganhar força e coragem para o passo seguinte. A vida em comum tornou-se impossível. Tenho que me proteger. Inclusive de mim própria. Como? Quem lhe dera saber a resposta. Entretanto, ficou confortably numb e adormeceu.

15 comentários:

jama disse...

Não sei se o meu comentário seja o de um tipo sério ou de um tipo que gosta de brincar. Começo por este último estilo. Um dia uma senhora procurou um causídico com um problema semelhante ao descrito no post. O causídico, temente a Deus, foi-lhe dizendo: "ó minha filha, resigne-se. É a sua cruz. A minha é bem pior. Ando com uma dor nas costas há mais de dois anos e não me passa." Pouco satisfeita com o conselho, entrou logo de seguida na porta do escritório de outro causídico que, ao ouvir as queixas da cliente, lhe disse: "ó minha senhora, o seu marido é uma besta. Saia já de casa e, se não tem para onde ir, vá comprar uma tenda de campismo. Monte-a no parque de campismo da barra e, depois de a montar, corneie-o com o primeiro gajo que encontrar". Perante tais conselhos, a senhora concluiu que qualquer um dos referidos causídicos era mais estranho do que o marido dela, e achou que, apesar de tudo, ainda tinha mais sorte do que as esposas de qualquer um dos referidos causídicos.
Agora, o comentário de um tipo sério: dou por integralmente reproduzido tudo quanto acima referi. A personagem de que fala o post está infeliz com a sorte quem tem. Já viram isto?!

mac disse...

Entupir-se em Xanax é a mais cómoda (e por isso a mais comum) forma de nada fazer.
Ela que faça alguma coisa, qualquer coisa, caramba! Ou ainda julga que as boas meninas têm um anjo-da-guarda que velará pela sua felicidade, fazendo cair a dita no prato da sopa sem qualquer trabalho?!?
Tem saúde, tem emprego, tem dois filhos saudáveis. E se os filhos lhe gritam, alguma responsabilidade terá nisso, não? Além de que ninguém grita com quem não importa.

Em vez de tomar Xanax, devia ir à luta: chorar por chorar mais vale chorar na perseguição da paz que na continuação da infelicidade.

Ora batatas! Agora fiquei irritada.

Bé disse...

Livra-te dele, já é tempo, ganha coragem, não tenhas medo do combate. Assim, és triste. Há quantos anos?

privada buaaaaaaaaaaa disse...

Passaram mais 4 anos, a filha não era mais adolescente, o filho conduzia o seu proprio carro, ela pegou na tenda, na t-shirt branca, nos tennis, bateu no portão, quase como kem o derruba.

- Quem é?
- Sou eu a Saphou, venho despedir-me Privadinha, vou para Paris, um mês inteirinho, de comboio.

Deu-lhe aquele abraço, tão parecido com os afagos de Deus.

- Boa viagem Saphou, espero o teu regresso para saber se devias ter partido antes, ou se afinal, devemos partir apenas quando temos a certeza da viagem. Te amo mi amour.


Saphou partiu , sorridente, foi sempre uma grande mulher.

Blimunda disse...

Costumo dizer, mais a jeito de auto-comiseração que mais nada, que cada um tem aquilo que merece.

Cada momento da nossa vida é talhado por nós mesmos. Assim como somos capazes de gerar os maus ainda que provocados por outros - sim porque somos nós que os possibilitamos - somos com a mesma determinação, competentes para provocar os bons. A força existe e está onde sempre esteve. Só está em estado de coma nos braços acolhedores do deus Xanax.

Um abraço forte deste lado para esse lado.

privada disse...

Oh Jama a personagem tem é uns concelheiros muito foleirinhos, parecem do sec passado, um queixa-se das costas, o outro leva tudo raso?!

A personagem, deve mostrar todo o seu amor:
- amo-te, tu és um grande desportista e portanto resolvi premiar-te com um bilhete para um campeonato, que dura 6 meses, tens estadia e viagem paga, aquilo é altamente e não deves perder a oportunidade de participar. Gastei todas as poupanças e tu mereces, tenho todo o gosto que vás competir para a India. Eu ca tomo conta dos putos, vai ser dificil, mas tu mereces, nem sei como vou passar os dias sem ti, mas acho ke um desportista como tu, nao pode morrer sem um desafio como este. Sei ke fazias o mesmo por mim.


E se preciso for, pagar bilhete a um camarada, a arbirtos, as separações saem caras, principalmente às mulheres, mas são mais simples.

Blimunda disse...

Então olha lá ó conselheiro do secúlo que vem, e como é que garantias tu que o objecto amado não regressaria? 6 meses? É pouco, pá ep pagar a um freelancer não é barato?

privada disse...

solução de recurso: pagar eramus a filhos em Londres, e deixar de vir no casa uns tempos, porke filho nao necessita. só vem no casa, quando casa está vazia e nao ter medo.

ah mas temos problema, desportista geralmente destroi amigos da vitima, pelo ke a vitima nao tem onde passar tempo.

Ah vitima pode ir ao Sao Joao Novo, ao Campo Alegre nos kinta, pode ir nesses lugares, porke nesses lugares só vai gente só. pode arranjar emprego longe e ficar num pensão. resto de noite dorme.

solução alternativa: arranjar casa para ela e filhos, é capaz de ficar mais caro e nao sabe tao bem

não poder nunca pedir divorcio a desportistas, achar muito dificil, desportista se enerva, desportista tem ke saber ke é o melhor da cantareira, vitima tem ke reforçar ego a desportista

privada disse...

vitima pode ainda arranjar curso noturno, no ambito da sua profissão, um ke chega no casa ao meia-noite, todo o executivo faz isso.

vitima pode vir às noites da mulher ao sabado, domingo dormir.

mais soluções?

Blimunda disse...

Vitima precisa fazer vista grossa e deixar desportista afundar-se nos entrefolhos do raio que o parta. E se conselho fosse bom não de dava, vendia-se. Saphou, o Funes hoje dá consulta de graça, pá. Dá o contacto dele à personagem do teu texto.

jama disse...

Saphou, quem desdenha quer comprar. Eles querem é vê-la ou vê-lo sozinhos. Sabe-se lá com que intenções...

privada disse...

se é pa fazer vista grossa, Privadinha tem oculo verde bem bunito, original, e pode mudar o cor, resiste no água.
Tbm tem maquina pá rapar cabelo. E tinta para pintar olho e queixo todo de preto, assim confunde totalmente o desportista. É boa maneira de passar despercebido. E economica.

Blimunda disse...

Privadinha trouxe a forquilha da Repartição? É que pode dar-se o caso de vir a precisar dela.

Jama, asseguro-lhe que até á data tenho mantido a minha heterossexualidade intacta. Mas não respondo pelo futuro.

privada disse...

Privadinha trouxe uma certeza, tem ke pagar, finanças a gente sempre tem ke pagar. Pelo que nao pode deixar que o vitima seja agredido, ou ate morto, porque vitima agredido nao trabalha e nao paga conselho, vitima morto tbm nao paga e finanças penhora Privadinha.

Privadinha pode vender o tal oculo para o vitima nao ver ke foi agredido, pode ate vender luva de boxe, mas Privadinha é pela paz, paz

privada disse...

Mas quê o desportista é gaja?

Oh assim é mais problemático, Privadinha nao tem muita rede sobre agressoes entre homosexuais, a esfera acrilica está limitada aos hetero.