sábado, 28 de novembro de 2009

Crónica de VPV


Portugal por uma pena
Por Vasco Pulido Valente (Público, 28/11/09)

Os deputados são eleitos pelo povo e, em boa teoria, só o povo os pode punir e de uma única maneira - não votando neles na eleição seguinte. A liberdade é essencial ao cumprimento do seu mandato e à dignidade da sua posição soberana. Sucede que nunca ninguém respeitou os deputados portugueses. Suponho que em parte pela sua origem. Escolhidos pelo chefe ou pelo "aparelho" não devem nada, ou quase nada, a si próprios. Podem, por isso, ser tratados sem cerimónia como pessoal menor. Por outras palavras, com arrogância e com desprezo. Quando estive na Assembleia (seis meses depois do "cavaquismo"), as "condições de trabalho" (que, de resto, não existia) eram vexatórias. Mas ninguém parecia incomodado e muita gente parecia feliz. Talvez pelo título ou pelo dinheiro (aliás pouco), que ganhava na ociosidade.
No tempo em que os frequentei, estes "pais da Pátria" tinham um grande interesse: explorar até ao fim os pequenos privilégios, que o Parlamento lhes dava: viagens (com, ou sem, o chamado "desdobramento"), faltas justificadas por uma alegação inverificável e ambígua, duplo emprego e misérias do género. Havia faltas, claro - como já não havia, por exemplo, na universidade. Mas só formalmente. Com a consumada desvergonha indígena, bastava assinar um livro, guardado por uma secretária ou um contínuo, para estabelecer a presença, em princípio obrigatória, a qualquer sessão. A seguir, cada um ia à sua vida ou, se ficava em S. Bento, ficava a fazer horas pelas bancadas, lendo ou conversando. Tudo aquilo funcionava como funcionaria uma escola secundária indisciplinada e barata.
Agora, Jaime Gama, que - segundo corre - alimenta ambições presidenciais, resolveu pôr a casa na ordem. Com um cargo essencialmente simbólico, não lhe assiste qualquer autoridade para essa operação. O que não o impediu de perorar sobre os "deveres parlamentares", nomeadamente sobre o "dever de assiduidade", de exigir um "visto" oficial para certos tipos de faltas (não ao plenário, evidentemente) e de proibir certas benesses muito apreciadas (o "desdobramento" de algumas viagens, em primeiro lugar). Perante isto, o Parlamento (incluindo o grupo socialista), que sempre obedeceu sem mugir nem tugir aos chefes dos partidos, teve um sobressalto e uma revolta. Votar como lhe mandam não ofende a deputação do país. Prescindir da hipocrisia, da trapalhada e da borla não admite. A história é triste. É Portugal por uma pena.

3 comentários:

jama disse...

Sabem quanto qual é o vencimento base de um Sr. Deputado da Assembleia da República?
Sabem quanto é que, em média, lhe é pago no final de cada mês?
Sabem quais as importâncias recebidas pelos Srs. Deputados da AR que estão sujeitas a IRS?
Sabem quais as importâncias recebidas pelos Srs. Deputados da AR que não estão sujeitas a IRS?
Se sabem, façam o favor de me esclarecer.
É que se diz por aí que há meses em que os Srs. Deputados chegam a receber o dobro do valor do vencimento base, em virtude de, para além do merecido vencimento, lhe serem pagos, designadamente, ajudas de custo, despesas e subsídios, que não se encontram sujeitas a IRS.
Se calhar o que lhe pagam é pouco para o trabalho e para o stress a que estão sujeitos. Mas eu gostava tanto de saber quanto é! Alguém sabe ao menos como posso esclarecer as minhas questões?

saphou disse...

Vexa é que é o especialista, pergunte a si próprio. O Funes tb é bom nessa área.

jama disse...

Vou perguntar o Sr. Presidente da AR, ao abrigo do art. 48º da Constituição. Depois deixo aqui plantado.