quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A tragédia da padaria da Rua da Índia

Eram três irmãos os proprietários, diz o povo. Padaria centenária, de nome "Formosa". Fica ao fim da rua. O Senhor José sempre nos atende com o profissionalismo que lhe vem do tempo da outra senhora. A rapariga que o ajuda está sempre bem disposta. Ri-se tanto com as piadas do outro padeiro mais novo que chego a pensar que tem um parafuso a menos.
A padaria tem todos os tipos de pão: pães minimalistas com sementes de papoila, de sésamo, uvas passas e nozes, espinafre, queijo...; roscas e cacetes; pão integral dos mais diversos tipos e feitios; pão doce e pão de leite; pão saloio, inteiro ou fatiado, até o vulgaris papo-seco. Isto para mencionar apenas algumas espécies.
Os clientes, em que predominam velhotas e empregadas fardadas ou não fardadas, fazem fila até ao passeio, todos os dias, de manhã e à tarde. A harmonia só é quebrada quando alguém tenta passar à frente da fila. Aí ouve o que não quer.
Lembro-me de um dia especial em que fomos à padaria comprar pão doce, os meus filhotes pequenos e eu. Caminhamos o tempo todo por cima dos tufos de folhas de Outono caídas das árvores que fazem da rua um local aprazível. O jogo era ir sempre por cima das folhas e fazer o maior barulho possível. Foi há tanto tempo.
Um dia os irmãos zangaram-se. O que era médico nos arredores, e só visitava os outros de vez quando, entrou pela Padaria Formosa, depois de muita gritaria, esfaqueou o irmão que vivia no 1º andar, com entrada pelo interior da loja, o sangue espichou até à porta da rua, o outro irmão, que sempre estava sentado num centenário banco de correr, agarrado a uma bengala, a ver o ambiente, tentou evitar o pior, mas foi selvaticamente esfaqueado pelo médico.
Este ainda fugiu até próximo do hospital de Santo António, onde foi atendido, entre a vida e a morte. Sobreviveu e está encarcerado numa prisão qualquer. Os outros tiveram morte imediata, ou quase. Morreram dentro da Padaria Formosa.
A Padaria Formosa foi tema de conversa na missa e nas esquinas, no pomar, na peixaria e no talho, durante semanas. Parece que o primeiro andar metia nojo, tanta era a sujidade. Para limpar o sangue foram precisos muitos dias. Nunca se apurou ao certo a causa do desatino do médico.
Durante um mês ou mais a clientela evitava entrar: afinal que segredos escondia aquele pão? E seria limpo, atendendo ao estado do 1º andar? As cuscas e mórbidas, todavia, não se deixaram intimidar. No primeiro dia de reabertura já faziam fila.
Hoje a tragédia da Padaria Formosa já passou à história, as dúvidas sobre a sua salubridade também. Afinal, já passou quase um ano. Vai um pãozinho com sementes de papoila? Ou prefere de uvas passas e nozes?

6 comentários:

Privada disse...

Excelente tirada Saphou!
Excelente.

saphou disse...

E é verdade, só mudei o nome da rua.

privada disse...

Bem sei. Nao sabia era da situação do 1º andar, eu e certamente a maioria dos portuenses :-))))

Amiguinho que não é AR disse...

Por isso o pão às vezes tem um saborzinho estranho, como dizer, a baratas esmagadas...

privada disse...

Quando soube lembrei-me do amendoas doces venenos, o crime da rua das flores, só que este medico era mãis impaciente.

Mas há mais crimes por essas confeitarias, o do jovem, a mae andou aqui a colar uns autocolantes, estou solidario com a sua dor, mas estes azulejos pá, foram encomendados, custam um balurdio ...

Blimunda disse...

Bem, esperemos que os nossos padeiros do dia não se inspirem nesta tragédia. Já pensaram na trabalheira que seria limpar as Confeitarias Belém e S.Bento?