terça-feira, 7 de abril de 2009

Das vendas de porta a porta

Ela telefonou com uma voz doce. "Senhora Saphou, temos para lhe oferecer uma jarra purificadora de água e um livro sobre a importância da água, com o valor de mercado de 60 euros mas, se aceitar a nossa oferta, só pagará os portes de envio, no valor de 8 euros".
Normalmente, mando esta gente bugiar de imediato, como já em tempos referi neste blog, e uso as mais diversas técnicas de afastamento de melgas. Não estou em casa, está a falar com a empregada, ou a filha, estou ausente em parte incerta, se forem férias, não gosto de férias, se forem viagens, detesto viajar, se for a baixela da Fátima Lopes, odeio as criações da estilista...
Mas estes tipos da aupper (só soube o nome hoje) são mais inteligentes. Em vez de nos convidarem a ir a um sítio qualquer buscar o presente, pedem autorização para vir cá a casa oferecer o presente, sem qualquer compromisso, a não ser o de responder a cinco breves questões sobre a qualidade dos serviços da empresa e pagar os portes de envio.
Ontem, ou porque estava mais burra do que o costume, ou mais distraída, ou mais confortably numb, permiti que me oferecem a tal da jarra e do livro, na modalidade do tipo doação mista. Isto, uma vez garantido, por parte da senhora da voz doce, que o negócio deles era o dos filtros, a vender nas grandes superfícies. Sim, porque eu não estava destituída de todo e questionei-a. Se ninguém oferece nada a ninguém, qual era o negócio que envolvia a jarra? Aceitei como razoável que o lucro estivesse nos filtros, em packs de três euros. Afinal, só comprava os filtros se usasse a jarra.
Combinamos a entrega para hoje às 12 horas, cá em casa.
Pontual, uma senhora simpática entregou-me a jarra e o livro, como contrapartida entreguei-lhe os oito euros. De seguida, preparou a ficha dos inquéritos, com as tais cinco perguntas. Pediu, todavia, para entrar, porque precisava de uma mesa para escrever. Achei estranho. Todavia, delicadamente, deixei-a acomodar-se na sala.
As primeiras duas questões não tinham nada de especial, embora a terceira já trouxesse água no bico: como é que eu achava que a empresa deveria fazer publicidade? Pela televisão, rádio, ou através de ofertas aos clientes...
Na quarta pergunta pediam-me para escolher três produtos dos mais representativos, com vista a elaborar um catálogo que agradasse aos clientes. Cada vez mais desconfiada e irritada porque a senhora havia espirrado e confessado estar a ficar constipada, além de não me sair da sala, escolhi apressadamente o Aspirador Ciclone, o tapete magnético de relaxamento com aquecimento e a impressora de fotografias.
Finalmente, a quinta pergunta: quais as séries mais interessantes, de títulos de livros com os respectivos DVDs: Animais Ferozes, Maravilhas do Mundo, Receitas de Culinária, Cuidados Básicos de Saúde....e por aí fora. Hipocondríaca, já com o vírus da senhora a atacar-me, escolhi apressada a última e as Maravilhas do Mundo. Neste momento, só queria ver a senhora sempre muito atenciosa, de casa para fora.
Mas ela insistiu para eu ver o magnifico exemplar dos Lusíadas, com capa de pele não sei quê, folhas tipo pergaminho que vão amarelecendo com o tempo, etc....
Agora, já sem paciência, declarei com ar de animal feroz: pode ir para os finalmentes?
E a senhora anunciou, em tom triunfal :"o aspirador Ciclone, o tapete magnético e a impressora, mais os Lusíadas, são seus Senhora Saphou". -"São meus se...?", insisti com cara de poucos amigos. "Se comprar a série das Maravilhas do Mundo e dos Cuidados Básicos de Saúde, em 10 volumes mais cinco DVDs cada, em suaves prestações mensais de 49,9 euros, preço que só cobre o custo de edição".
Passei-me. Não, não insultei, nem bati na senhora, que apenas estava a fazer o trabalho que arranjou e provavelmente a receber uma miséria para levar na tromba ou ser insultada.
Passei-me com a empresa. Disse-lhe que este tipo de publicidade era ainda mais nojento do que o das empresas que nos convidam para ir buscar o presentinho ao sítio tal, porque estes se insinuam na nossa casa, a pretexto de vender água e, na realidade, são uma editora interessada em vender livros. Agradeci que levasse a tralha toda, mais a jarra e o livro sobre a água e, já agora, que o que me poderia interessar para apurar a qualidade dos livros não era toda a treta que a senhora fora desfiando sobre a qualidade do papel, da lombada, o respeito pelas regras dos oftalmologistas quanto ao tamanho da letra e ao facto de os textos virem em colunas, nem a beleza das figurinhas, mas a qualidade dos conteúdos. Por exemplo, teria sido interessante informar-me sobre quem eram os autores, como tinha sido efectuada a investigação, etc...
A senhora pediu muita desculpa, mas só estava a fazer o trabalho dela, aliás, bem apresentado, agradeceu-me por não ter sido mal educada com ela, como são muitas pessoas, agradeceu-me por lhe ter feito ganhar o dia ao chamar a atenção para a importância da qualidade dos conteúdos, ia transmitir isso à empresa, e ainda acabou a queixar-se de como lhe impingiram a baixela da Fátima Lopes, inclusive com recurso a documentos falsos e como ainda tem o caso em tribunal. Arrumou rapidamente a tralha toda e foi saindo e pedindo muita desculpa.
E assim fiquei sem o Aspirador Ciclone, o tapete magnético com aquecimento e a impressora de fotografias, mais os Lusíadas... com um senão, insistiu para que eu ficasse com a jarra e o livro sobre a água. Era uma oferta. Fez questão. Bahhhh...Sempre os posso atirar à fuça de alguém num dia mais raivoso. É mais económico do que destruir telemóveis ou louça.
Agora, sem comprometer a senhora, tenciono dar uma desanca na aupper e na sua forma nojenta de fazer negócio. Aupper, jamais!
........
P.S: a desanca será proporcional ao número de golos que o FCP sofrer esta noite. Se o FCP empatar, será uma coisa suave. Se o FCP, graças a alguma poção milagrosa, ganhar, até nem desanco ninguém. Isto, só para ilustrar as relações causa efeito do típico grunho, neste caso grunha, futeboleiro (a).

7 comentários:

AR disse...

NÃO, OBRIGADO.
NÃO, OBRIGADO.
NÃO, OBRIGADO.
NÃO, OBRIGADO.
NÃO, OBRIGADO.
NÃO, OBRIGADO.
NÃO, OBRIGADO.
NÃO, OBRIGADO.
NÃO, OBRIGADO.

Comigo, estas simples frases, 3, 6 ou 9 vezes resultam sempre.

Na rua: sorrio e continuo a andar.

zé da murrinhanha disse...

Nunca experimentei, mas também deve resultar:
"MINHA SENHORA: TENHO MUITO RESPEITO PELO SEU TRABALHO, ATÉ PORQUE TENHO UMA FLHA NUM CALL CENTER, MAS SÓ ME INTERESSAM COISAS DE SEXO INFANTIL.
TEM ?
HEIN, TEM SEXO INFANTIL ?
E COM ANIMAIS ?
TEM AQUELE QUE É COM 1 PORCO, NUM SOFÁ ?"

primo do privada disse...

Eu só compro livros sobre droga, com oferta de uma variedade de espécies para experimentar

mac disse...

Que diabo, a rapariga tem filhos para alimentar, Saphou! Quem lhe manda a si abrir a porta?
Refile com a Aupper, sim, mas não por causa de um jogo de futebol e sim porque a conseguiu fazer abrir a porta.
Que é que o futebol tem a ver com isto, se a tal Aupper nem vende bolas, nem relva nem heroína nem nada? pfuuuu...

saphou disse...

Mac, o futebol era um à parte, um pretexto para falar nas relações causa efeito disparatadas, ao contrário das relações causa efeito cientificamente provadas referidas nos posts anteriores.
É claro que vou desancar na empresa que até vão andar de lado, e pouparei a senhora, como poupei hoje e tive que a aturar cerca de 40 minutos

Luís Filipe Maia disse...

O resultado do Fê Quê Pê, justifica que retome a ideia da opção de compra, do Lusíadas e demais utilidade para o lar.

mac disse...

Saphou... Eu hei-de ir para o Inferno e de foguetão, de certezinha.

Foi um arrebique estúpido, desculpe.

Que eu não gosto muito de futebol, mas adoro peixes, por exemplo. Pode?!?